Propostas
Gouvernance: les ruptures nécessaires pour la transition Governança: as rupturas necessárias para a transição
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Contexto

Também disponível em English, Français, Español

 

Propostas do coletivo francês para a Rio+20 e para o Fórum Social Temático 2012 que ocorrerá em Porto Alegre.

 

Atenção: o texto a seguir agrupa, de maneira sintética, várias propostas relativas às possibilidades de “ruptura” do sistema e não às múltiplas melhorias que podem ser feitas nele. Este texto faz parte de uma série de quatro documentos, cada um relativo a um dos quatro temas a serem tratados no Fórum Social Temático 2012: ética, território, governança e transição da economia para as sociedades sustentáveis.

 

Durante a apresentação de cada tópico, a análise retomará cada um dos quatro temas abordados nos demais documentos da série. Por exemplo: em todos os textos, o cruzamento território-economia se encontra nos mesmos termos tanto no texto “Economia” quanto no texto “Território”, possibilitando a leitura separada de cada um dos quatro textos.

Propostas e resumos

 

A. Governança: a necessidade de uma revolução

 

A governança pode ser definida como um conjunto de conceitos, representações mentais e culturais, instituições, entidades sociais, regras e mecanismos diversos que em conjunto contribuem para a gestão de uma comunidade, desde o nível local até o nível mundial. Desde sempre, a governança esteve no coração das sociedades. Sistemas jurídicos elaborados e fundados a partir do direito escrito que dispõem de um aparato policial coercitivo, administradores profissionais hierarquizados no quadro estatal, as relações internacionais dominadas pelas relações entre Estados, a democracia representativa que delega funções a terceiros para que representem os interesses diversos da população, a separação dos três poderes, a distribuição de competências entre diferentes níveis de governança dentro do espaço nacional, tudo isso são modalidades atuais de governança que nos são tão familiares que as confundimos frequentemete com a própria governança em sua forma original. Mas estas são modalidades inventadas ao longo dos séculos em função do desenvolvimento técnico da sociedade, da emergência de comunidades mais ou menos amplas, da ideologia da época e, sobre tudo, de desafios concretos que diversas sociedades tiveram de enfrentar a fim de sobreviver e se desenvolver.

 

Os desafios mundiais do século XXI, os sistemas técnicos disponíveis (com destaque para a internet), o grau de desenvolvimento das sociedades e a nova amplitude das interdependências mundiais nos induzem a uma verdadeira revolução da governança. Sem ela, continuaremos a “colocar vinho novo em odres velhos”, como acontece com a gestão das interdependências mundiais, atualmente baseadas na inquestionável soberania absoluta dos Estados. Vinte anos após a primeira conferência para o meio-ambiente no Rio de Janeiro (ECO-92), é impossível deixar de constatar o esgotamento deste sistema, incapaz de atender aos desafios cada vez mais urgentes do planeta. Sem uma revolução da governança, a humanidade corre o risco de se perder como já aconteceu com povos passados que, por inércia, não souberam adaptar sua governança às novas situações, o que os levou à morte. Isto pressupõe um retorno aos objetivos e princípios fundamentais da governança, de modo que eles possam ser traduzidos de uma maneira inovadora. A tarefa é árdua, pois a governança deve satisfazer a duas exigências contraditórias: funcionar como um ponto de referência das sociedades, o que exige estabilidade; e servir de meio pelo qual a sociedade pode responder aos novos desafios, o que exige bastante capacidade de inovação e adaptação. Apresentaremos aqui os principais problemas em questão e a maneira de conduzi-los.

 

1. O novo tripé da governança

 

Em sociedades em evolução lenta, a governança também evolui lentamente. Esta governança pode ser identificada pelos seus três pilares básicos: 1) instituições (administrações estatais, coletividades locais e, até mesmo, as instituições do sistema ONU); 2) competências alocadas em diferentes instituições e que caracterizam tanto o arcabouço institucional quanto o compartilhamento de responsabilidades entre os diferentes níveis de governança; e 3) regras que definem as restrições que devem respeitar o conjunto dos atores públicos e privados em nome do bem comum. Este tripé nos é tão familiar que, quando queremos tratar um novo problema, a nossa tendência é criar uma nova instituição e inseri-la neste arcabouço institucional atual, definindo suas prerrogativas, seus mecanismos e suas relações com as instituições já estabelecidas de forma tradicional e sem questionamento. É exatamente isso que está previsto para a Rio+20 através da criação de uma agência mundial para o meio-ambiente.

 

Contudo, em uma sociedade em plena transformação como a nossa, é preciso adotar um ponto de vista mais dinâmico sobre a governança, construindo-a principalmente sob três outros pilares: os objetivos em comum, a ética adotada para gerar relações mútuas e os acordos de trabalho colocados em prática através de um mecanismo de “resolução de problemas”. Isto é completamente consistente com a análise feita acima sobre a gestão dos complexos problemas que a governança, atualmente fragmentada, não é capaz de gerir corretamente.

 

2. Governança: a arte de gerir as relações

 

Os sistemas atuais de governança, tanto no nível nacional quanto no nível internacional, estão fundados em uma visão mecanicista do mundo: segundo os princípios da organização industrial do começo do século XX, acredita-se que é preciso dividir e especializar o trabalho a fim de torná-lo eficaz. Nesses termos, a governança funciona através da separação. Contudo, quando um problema se torna complexo, este modo de funcionamento se torna cada vez mais impróprio. O princípio da separação de competências enfrenta problemas reais que não se permitem reduzir a compartimentalização de responsabilidades e políticas. O sistema se torna cada vez mais esquizofrênico e as iniciativas de algumas instituições entram em contradição com as iniciativas das outras. Isso é especialmente visível hoje em dia no sistema internacional, pois agências das mais variadas finalidades seguem orientações contraditórias e entram em competição entre elas mesmas pela gestão dos problemas. Sendo assim, a transição do modelo atual para as sociedades sustentáveis fica completamente bloqueada. E o problema se agrava quando a falta de uma abordagem global, somada à necessidade de sobrevivência, faz com que as sociedades comecem a buscar objetivos conflitantes, como a recuperação econômica (para evitar uma grave crise social) e a redução de consumo (para preservar a biosfera). O primeiro critério de qualidade para a governança no século XXI é sua capacidade de gerar relações: entre os problemas, entre os níveis e entre os atores. Portanto, é através da transição no centro e da definição de diferentes tipos de relações entre instituições, níveis e atores que é possível construir um novo mecanismo de governança e novas regras de cooperação. Neste contexto, ao invés de criar uma agência especificamente encarregada do desenvolvimento sustentável, basta, por exemplo, redefinir as regras e os critérios da Organização Mundial do Comércio, já que uma nova instituição dificilmente disporia dos meios para evoluir para uma instituição que consiga se livrar das amarras do livre comércio.

 

3. Governança: o mapa dos objetivos gerais

 

Para inventar novas formas de governança, é necessário adotar um quadro de análise geral que estimule a reflexão e a criatividade e nos permita aprender com a experiência milenar das sociedades passadas, que partiram do zero e conceberam e evoluíram seu sistema de governança. Dois quadros revelam-se particularmente pertinentes para nossa orientação: os objetivos da governança e os princípios gerais da governança. Três objetivos foram desenvolvidos no decorrer dos séculos: a segurança da sociedade frente a uma ameaça do mundo exterior, a coesão social no interior da comunidade e o equilíbrio entre a sociedade e seu meio-ambiente. Quando um destes objetivos não é atendido, os três sucumbem e minam aquilo que os biólogos chamam de “manutenção de um sistema em sua área de sustentabilidade”. Basta um breve olhar sob a governança econômica atual para perceber que os dois últimos objetivos são cada vez mais deixados de lado. Por sua vez, o desequilíbrio entre a atividade humana e a biosfera ameaçam, a médio prazo, a paz mundial, o que é fortemente ilustrado pela mudança climática e pelo esgotamento dos recursos naturais. Contudo, como já observado, é freqüente a impossibilidade de assegurar os três objetivos ao mesmo tempo tendo em vista a atual segmentação dos mecanismos de governança mundial. Portanto, o primeiro passo é avaliar a governança em seus níveis local, nacional e mundial à luz destes três objetivos para depois propor reformas.

 

4. Governança: o mapa dos cinco princípios fundamentais

 

A primeira vista, os sistemas de governança são tão variados de uma época a outra e de uma cultura a outra, que à vezes duvidamos que algumas comparações sejam possíveis. Além disso, a convicção do Ocidente em seu modelo supostamente insuperável de governança, baseado no Estado de direito e na democracia representativa, instaurado no século XIX, nos fez perder de vista tudo aquilo que poderíamos ter aprendido com os demais povos do mundo. Uma abordagem comparativa permite colocar em evidência os cinco princípios fundamentais: 1) a legitimidade e o enraizamento (é legítima uma governança na qual uma maioria se reconheça e onde ela se sinta “bem governada”); 2) a democracia e a cidadania (o fato de que cada indivíduo se sinta realmente envolvido na vida e no destino da cidade é irredutível à democracia formal); 3) a adequação dos mecanismos de governança em relação às questões a serem abordadas: “não se deve bater um parafuso com um martelo e um prego com uma chave de fenda” (esta análise precisa ser feita separadamente em cada área e nível, a fim de distinguir vários “regimes de governança” adaptados a realidades diversas); 4) a co-produção do bem público: “não é possível pegar uma pedra com apenas um dedo”, por isso que a criação de parcerias entre atores diferentes é essencial (por exemplo, uma governança mundial que não se preocupe em criar redes internacionais de atores ativos na gestão do planeta será sempre uma governança banal); e 5) a cooperação entre níveis de governança atualmente chamada de “governança em múltiplos níveis”, pois nenhum problema pode ser convenientemente tratado em apenas um nível. A idéia de que é possível atribuir competências exclusivas a diferentes tipos de coletividade para evitar a concorrência generalizada normalmente se mostra ilusória.

 

Estes cinco princípios são fundamentais para promover a transição para as sociedades sustentáveis. Sem sua implementação audaciosa, a transição não será possível. Deixando de lado a inaptidão das receitas de “boa governança”, promovidas durante um tempo pelas instituições internacionais e caídas no esquecimento, o primeiro passo para essa transição é, portanto, a avaliação precisa dos atuais mecanismos que orientam esses princípios. A questão da energia é um ótimo exemplo: sem uma reflexão democrática sobre os padrões de vida e sobre as escolhas coletivas, sem novos mecanismos de alocação de recursos escassos, sem uma parceria entre diversos atores e sem uma cooperação entre os diferentes níveis de governança, será impossível diminuir o consumo de energia fóssil para um quarto do consumo atual nos próximos trinta anos.

 

5. Governança: a imprescindível diversidade de representações da sociedade

 

Ao observarmos a organização das relações internacionais, vemos que ela se reduz praticamente às relações entre Estados supostamente soberanos e representativos, que declaram defender um “interesse nacional” que, na verdade, está reduzido ao interesse de seus atores internos mais influentes. Infelizmente, nada parece ter mudado após três séculos. Antigamente, as várias sociedades eram autônomas e independentes umas das outras e os princípios de cada uma estavam inseridos em suas respectivas políticas. Hoje em dia, as sociedades parecem estar mais e uma situação de co-locatários de um mesmo apartamento, onde precisam se manter conjuntamente e compartilhar espaço e recursos. Sendo assim, é imprescindível a necessidade de inovar de maneira audaciosa o sistema de governança atual através da diversificação dos representantes da comunidade mundial durante os diálogos internacionais. Os Estados são apenas um modo de representação, não o único. A idéia de um Fórum multi-atores foi uma tentativa que caminhava neste sentido da diversificação, contudo rapidamente se mostrou equivocada. Não haverá uma verdadeira construção de redes globais para os diferentes grupos sócio-profissionais e nenhum diálogo em pé de igualdade entre as diferentes formas de representação enquanto elas estiverem fragmentadas.

 

6. Governança: a instituição das comunidades

 

Habituados ao sistema tradicional de governança do século XX baseado nos Estados, nós temos a ilusão de que governar significa gerar uma comunidade instituída, isto é, uma comunidade consciente do compartilhamento de valores e de um destino comum. O primeiro critério da governança é de instaurar uma comunidade, de criar grupos mais ou menos numerosos de homens e mulheres que compartilhem um mesmo espaço em uma comunidade consciente de estar unida por valores compartilhados, com um legado a ser transmitido e um destino a ser seguido. Sem esta consciência, o outro não passa de um estrangeiro cujo destino suscita uma certa compaixão do primeiro, mas onde não há um verdadeiro senso de responsabilidade compartilhada. Esta é a situação em que a “Comunidade Mundial” se encontra atualmente: ela não é uma verdadeira comunidade como pretende sua definição. Nós não nos sentimos responsáveis uns pelos outros, nós não compartilhamos os mesmos valores, não existem mecanismos de governança que permitam nossa reunião em verdadeiras assembléias mundiais de cidadãos, onde os diálogos debatidos sejam amplamente divulgados e midiatizados. A sociedade civil organizada ou mesmo os Fóruns Sociais Mundiais não passam de uma imagem bastante deformada de uma comunidade mundial.

 

O problema da instituição ou da reconstrução das comunidades surge em todas as escalas. A grande mistura de populações que resultou na construção de comunidades homogêneas, onde seus cidadãos são herdeiros de uma longa história e partilham a mesma fé é a exceção, e não a regra. Face aos grandes desafios que nos aguardam e aos sacrifícios que terão que ser feitos (principalmente pelos países precocemente desenvolvidos que estiveram subjugados, às vezes, por séculos), instituir comunidades em todos os níveis e, principalmente, no nível mundial, é de primeira urgência.

 

7. Governança em múltiplos níveis: a incorporação do princípio de subsídios ativos

 

A governança em múltiplos níveis pressupõe novos mecanismos de ajuste e de cooperação entre os níveis de governança. Não basta querer cooperar, é preciso dizer como fazê-lo. O princípio de subsídios ativos encontra seu fundamento no princípio da subsidiariedade: se pretendemos encontrar as melhores soluções em um contexto multi-diversificado e com a cooperação de todos os atores, é preciso que as soluções sejam inventadas e colocadas em prática no nível mais ‘baixo’ possível. Contudo, acrescentamos o adjetivo ‘ativo’: significa resolver os problemas através da cooperação entre os diferentes níveis, onde os níveis ‘mais altos’ orientam os níveis mais baixos. Entretanto, estas orientações não devem pretender agir através de imposições verticais “de cima para baixo” (obrigações dos meios). Elas devem se expressar como um princípio geral que seja fruto da experiência (obrigação de resultados). Seus princípios gerais, evidentemente, não caíram do céu. Eles são resultado da experiência coletiva. Portanto, não se trata de generalizar supostas boas práticas, mas sim de construir os sujeitos dos processos e as bases internacionais de experiência, permitindo descobrir juntos os resultados que devem ser urgentemente atingidos. Da saúde à energia, da fertilidade dos solos à eficiência energética, da preservação dos ecossistemas frágeis à governança de cidades sustentáveis, o campo de aplicação deste princípio é imenso e ele está no coração de todos os esforços que visam o desenvolvimento sustentável.

 

8. Governança mundial: papel e capacidade das regiões do mundo

 

Não se pode defender a ilusão de uma assembléia geral soberana, onde todos os países dispõem de voz durante as negociações internacionais. Os países-membros da ONU são muito numerosos e diversificados demais para que essa idéia de igualdade seja sustentada. A própria proposta de adoção de um sistema deliberativo geral feito através do voto da maioria desapareceu. Em seu lugar, surgiram as conferências de consenso, onde países com uma certa influência política se arrogaram o poder de veto, paralisando o sistema, e os diretório mundiais auto-proclamados, formados por países mais poderosos (como o G8 e o G20) que pensam ter o poder de decidir em nome de todos os outros atores do mundo. Atualmente, a única maneira de alcançar um sistema internacional um pouco mais democrático seria criar cerca de vinte regiões no planeta que sejam formadas por países contíguos e de tamanho similar que negociariam entre si (o tamanho médio seria de 350 a 400 milhões (de que?), onde China, Índia e Europa seriam exemplos de regiões em que os demais países seriam convidados a fazer parte, dependendo das continuidades possíveis). Muito rapidamente poderia se constituir, neste nível, formas plurais de representação, já mencionadas, e mecanismos de decisão feitos para atender a uma maioria qualificada e definidos, tanto em cada uma das regiões, quanto entre elas. Este mecanismo deverá se impor à tudo que disser respeito a gestão da biosfera.

 

B. Governança e Ética

 

1. A Carta de Responsabilidades Universais: o terceiro pilar da Comunidade Internacional

 

Desde o começo dos anos 70, principalmente a partir da Conferência Internacional de Estocolmo sobre o Meio-Ambiente, a Comunidade Internacional tomou consciência da impossibilidade de se apoiar apenas nos dois pilares éticos e jurídicos adotados no fim dos anos 40: a Carta da ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

 

As discussões realizadas nas últimas décadas tem ajudado a esclarecer e a construir a ideia do que seria um terceiro pilar capaz de lidar com as interdependências entre as sociedades e entre a humanidade e o meio ambiente. Pouco a pouco, a ideia de que este terceiro pilar deveria tomar a forma de uma Carta de Responsabilidades Universais se impôs.

 

2. A Carta de Responsabilidades Universais fornece as bases para um novo contrato social entre as diferentes profissões e o resto da sociedade

 

Cada área da atividade humana se beneficia, de uma maneira ou de outra, do apoio da comunidade, mas deve, em contra partida, retribuir com um serviço e respeitar seus princípios éticos. Isto vale, particularmente, para a comunidade científica, para os educadores, jornalistas, militares, empresários, etc. Sendo assim, o conceito de responsabilidade está no coração da construção deste novo contrato social.

 

3. Responsabilidade e direitos são as dois alicerces inseparáveis da cidadania

 

Ser um cidadão de uma comunidade não significa apenas reivindicar direitos e ignorar as responsabilidades para com a sua sociedade. Tampouco seria apenas assumir responsabilidades, como contribuir com impostos e com a defesa do país, sem receber direitos.

 

Hoje em dia, além de a cidadania ser importante tanto para a escala local, quanto para o nível global, ela é peça fundamental para o equilíbrio entre direitos e responsabilidades.

 

4. A Carta de Responsabilidades Universais serve de base para a elaboração de um direito internacional amplo e efetivo

 

Atualmente, um ator internacional não responde a um direito internacional. Os atores econômicos e políticos apenas tem a obrigação de prestar contas a seus respectivos líderes, eleitores, jurisdição nacional e acionistas. A Carta de Responsabilidades Universais será a base de criação de um direito internacional capaz de remediar esta grave disfunção do sistema internacional atual.

 

5. A Carta de Responsabilidades Universais deverá transpor os diferentes direitos nacionais

 

Hoje em dia, apenas os Estado dispõem de um sistema jurídico e policial capaz de definir e aplicar sanções. Historicamente, as convenções nacionais somente se tornam efetivas e aplicáveis uma vez que transpassam o direito nacional. A União Européia é um excelente exemplo desta transposição. Poderíamos nos espelhar neste exemplo e aprender com esta experiência a fim de estabelecer rapidamente a transposição da Carta de Responsabilidades Universais sob o direito nacional dos países.

 

6. A criação de uma jurisprudência internacional através da aplicação da Carta de Responsabilidades Universais

 

Ao longo das duas últimas décadas, uma nova forma de regulação internacional surgiu: uma espécie de espaço jurídico informal, constituído por juízes originários de diversos países, que se baseavam livremente nas jurisprudências nacionais de seus colegas para tratar dos casos. Processos como este serão reforçados e incentivados pela implementação da Carta de Responsabilidades Universais.

 

7. Contar com a Carta de Responsabilidades Universais como forma de reforçar a efetividade dos direitos econômicos, sociais e ambientais

 

Ninguém pode negar que a efetividade destes direitos depende do nível de desenvolvimento e de riqueza de cada sociedade. No entanto, a um dado nível de desenvolvimento, percebe-se que alguns países com prosperidade material similar e com os mesmos meios e recursos a disposição acabam apresentando desempenhos diversos.

 

O princípio de responsabilidade universal aplicada aos Estados conduzirá os responsáveis políticos a enfrentarem suas responsabilidades próprias: as melhores soluções seriam extraídas da experiência de todos os países em mesmo grau de desenvolvimento, de acordo com os recursos disponíveis, para fornecer direitos econômicos, sociais, ambientais e culturais o mais eficazes possível à população.

 

C. Governança e Economia

 

Sendo a Œconomia um ramo da governança, podemos aplicar todas as reflexões Œconômicas na elaboração dos objetivos e princípios da governança. Este exercício se mostra muito proveitoso para projetar novos conceitos, arranjos institucionais e ferramentas, que serão brevemente exemplificados a seguir.

 

1. Estabelecer regimes de governança adaptados à natureza dos vários bens e serviços

 

A arte da governança reside particularmente na capacidade de inventar mecanismos que se adaptem aos problemas postos. Definitivamente este não é o caso do modelo econômico atual, que procura juntar os bens e serviços em duas categorias: os bens comercializáveis e os bens públicos. Os regimes de governanças do futuro, pelo contrário, deverão corresponder a quatro categorias de bens e serviços: 1) aqueles que são destruídos quando são divididos, como é o caso dos ecossistemas e dos seres vivos; 2) aqueles que podem ser divididos e compartilhados, mas que são limitados, como é o caso da maioria dos recursos naturais, em particular a água e as energias fósseis; 3) aqueles que se dividem através do compartilhamento, mas cuja a quantidade é limitada apenas pela criatividade e pelo trabalho humano, tais como os bens industriais, feitos apenas para atender a um mercado monetário; e 4) os bens intangíveis como a inteligência, a experiência e o capital imaterial que se multiplicam através do compartilhamento e que, ao invés de serem gerados pela escassez artificialmente criada pelos direitos da propriedade intelectual, deveriam servir como a base da prosperidade e do bem-estar de amanhã.

 

2. Os regimes de governança dos recursos naturais: as cotas comercializáveis

 

O imposto de carbono é um imposto regressivo, onde o custo da energia acaba pesando mais no orçamento das famílias pobres do que nos bolsos das famílias ricas. Além disso, os gastos com energia crescem à medida que a renda familiar aumenta. Considerando a quantidade limitada dos recursos naturais não-renováveis, se queremos preservar o meio-ambiente, o princípio de justiça deve orientar imperativamente a distribuição destes recursos. Sendo assim, o sistema de cotas de carbono comercializáveis, onde aqueles que consomem menos podem revender sua cota para aqueles que preferem manter um estilo de vida mais custoso em energia, é um sistema que leva em conta os limites da biosfera e é socialmente justa. São estas cotas de carbono que constituem (na lógica da moeda pluri-dimensional) uma “moeda energia” ou uma “moeda recursos naturais”. É este sistema que precisa ser instaurado desde o nível local até o nível mundial.

 

3. Reintegrar o modo de consumo na esfera das escolhas democráticas

 

Os critérios da escolha entre consumo e entre modos de vida são, aparentemente, determinados pelas preferências individuais. Mas, na verdade, essas escolhas decorrem de uma escolha coletiva que modifica os critérios das escolhas individuais. O exemplo do transporte individual e do transporte coletivo é uma boa ilustração. Do nível local ao nível mundial, é possível e necessário desenvolver modalidades de escolhas democráticas para novos modos de vida

 

D. Governança e territórios

 

O território é o nível privilegiado de governança, pois é neste nível que os diferentes problemas enfrentados por uma sociedade são mais fáceis de serem solucionados em conjunto, além de possuírem uma população concreta e facilmente identificável. Ao mesmo tempo, os Estados e sua tradição administrativa segmentada são pouco hábeis no que tange a administração de suas relações. No que diz respeito à transição para as sociedades sustentáveis, os Estados acabam ficando mais do lado do problema que do lado da solução. Portanto, o progresso significativo da governança ocorrerá apenas através dos territórios, das regiões do mundo ou da governança mundial. Além disso, nos lugares onde a governança estatal concebia sistemas em forma de “bonecas russas”, isto é, extremamente hierarquizados, os territórios aprenderam a organizar e desenvolver uma transição do nível local ao nível mundial através de “redes”, o que corresponde muito mais às novas realidades globais. Contudo, ainda estamos longe de valorizar todas as potencialidades dos territórios a ponto de reformular a abordagem da governança. Frequentemente, os territórios permanecem marcados por um sentimento de inferioridade com relação aos Estados, principalmente em meio ao cenário internacional. O resultado é a preocupação exagerada das redes em reivindicar um acento em alguma instância da ONU, ao invés de afirmar e assumir suas responsabilidades. A Rio+20 deve ser vista justamente como a oportunidade oferecida às regiões e cidades, conscientes de seu papel na grande transição, em afirmar seus lugares no sistema e em apresentar suas propostas e compromissos ao resto dos atores.

 

1. O território: espaço privilegiado para a implementação de uma nova consciência sobre a governança global

 

O objetivo final não é mais reivindicar um lugar ao lado “dos grandes”, mas sim de mostrar concretamente que o território é o espaço por excelência de desenvolvimento de uma nova consciência sobre a governança. Isto pressupõe territórios decididos a tomar a liderança intelectual e política, pressupõe a aplicação dos dois mapas de orientação para a governança e pressupõe mostrar o progresso que podemos alcançar. Esse processo abarca tanto melhorias conjunturais úteis, porém marginas (como é a maioria dos casos atuais), quanto por transformações estruturais, que devem ser negociadas com os Estados e a comunidade internacional, a fim de encontrar os meios de colocá-las em prática.

 

2. Território e pedagogia cidadã

 

O fato de que foram as cidades e regiões que tomaram a dianteira no que diz respeito à democracia participativa não é surpreendente. Nestas regiões, as interações entre os membros da comunidade são concretas, mesmo nas grandes cidades. É, portanto, neste nível que podemos aprender melhor os novos termos e métodos da cidadania.

 

3. Território e governança em múltiplos níveis

 

Hoje em dia, são raros os casos onde as cidades são formadas por apenas uma coletividade local. No caso das regiões, elas são quase sempre demasiado vastas para cuidarem de maneira eficaz de seus problemas locais. A cooperação local de atores de classes idênticas ou diferentes se torna, então, a regra. Portanto, assim como as relações locais e as relações globais, os territórios também devem ser vistos como o primeiro campo de experimentação e de aplicação do princípio de subsidio ativo.

 

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