Propostas
Ethique : les ruptures nécessaires pour la transition Ética: as rupturas necessárias para a transição
Detalhes da proposta
Contexto

Também disponível em English, Français, Español

 

Propostas do coletivo francês para a Rio+20 e para o Fórum Social Temático 2012 que ocorrerá em Porto Alegre.

 

Atenção: o texto a seguir agrupa, de maneira sintética, várias propostas relativas às possibilidades de “ruptura” do sistema e não às múltiplas melhorias que podem ser feitas nele.  Este texto faz parte de uma série de quatro documentos, cada um relativo a um dos quatro temas a serem tratados no Fórum Social Temático 2012: ética, território, governança e transição da economia para as sociedades sustentáveis.

 

Durante a apresentação de cada tópico, a análise retomará cada um dos quatro temas abordados nos demais documentos da série. Por exemplo: em todos os textos, o cruzamento território-economia se encontra nos mesmos termos tanto no texto “Economia” quanto no texto “Território”, possibilitando a leitura separada de cada um dos quatro textos.

Propostas e resumos

 

A. O Lugar da Responsabilidade na Ética do Século XXI

 

1. Um mundo interdependente exige uma ética global

 

Mesmo apesar das inúmeras diferenças entre nossas referências religiosas e filosóficas e entre nossas tradições culturais, nós, povos da Terra, aceitamos compartilhar princípios comuns a fim de melhor gerir o planeta. Talvez não seja possível criar princípios éticos comuns através de uma base religiosa comum, mas acreditamos ser possível criá-los a partir de certos princípios que possuem eco em todas as sociedades do mundo.

 

2. Apesar de suas diversas variantes culturais, a responsabilidade está no coração de todas as sociedades

 

As comparações interculturais já demonstraram: a existência de uma comunidade depende diretamente da existência de um sentimento de reciprocidade entre seus membros. É preciso que cada um leve em conta o impacto de seus atos nos demais habitantes do planeta.

 

3. A mudança no grau de interdependência transforma a noção de responsabilidade: de uma noção local para uma noção de responsabilidade universal

 

Os diversos povos da Terra ainda não se sentem membros de uma verdadeira comunidade global. Entretanto, em um sistema mundial e irreversivelmente interdependente, o nosso bem-estar depende, em última análise, da maneira pela qual poderemos preservar e enriquecer a biosfera e compartilhar de forma equitativa os benefícios que dela provêm. Além disso, as nossas ações também definirão onde os impactos de nosso padrão de vida repercutirão no longo prazo, o que já pode ser sentido através dos efeitos da mudança climática. Tudo isso faz com que nossa responsabilidade mude de natureza. Ela deve se voltar para os impactos globais e de longo prazo.

 

4. O grau de responsabilidade é proporcional ao nível de conhecimento e de poder: o corolário da liberdade

 

O mundo é muito complexo, muito diversificado. As aspirações à liberdade são fortes demais para guiar o comportamento individual e coletivo através de prescrições morais obrigatórias. Ao invés disso, cada ator, individual ou coletivo, é que deve ser guiado por uma bússula que aponte para uma responsabilidade coletiva e universal. É por isso que a responsabilidade é o corolário da liberdade. Ser responsável é ser sujeito de sua própria vida e cidadão de sua sociedade, tanto local quanto mundialmente.

 

Contudo, a responsabilidade é proporcional ao saber e ao poder. Ela é particularmete grande para aqueles que transformam o mundo, como a comunidade científica, e para aqueles cujas ações resultam em impactos no mundo inteiro, como os grandes Estados e as grandes empresas.

 

5. A responsabilidade é condição fundamental para o respeito aos Direitos Humanos

 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos referia-se, a princípio, aos direitos cívicos e políticos: liberdade de pensamento e de expressão, igualdade perante a lei, liberdade de associação, liberdade de escolher seus dirigentes através de eleições democráticas, etc. Estes direitos foram facilmente aplicáveis ​​contra a autoridade política durante décadas.

 

Entretanto, no decorrer dos anos, procurou-se ampliar a definição destes direitos, buscando tocar a tudo relativo à dignidade humana: acesso aos bens essenciais, direito a um trabalho digno, direito a um ambiente saudável, direito à saúde, etc. Contudo, quanto mais se ampliou a noção de direito, menor ese tornou sua eficácia. À quem uma mãe poderia reclamar a morte de seu filho se seu país não dispõe de um sistema de saúde que garanta sua vida?

 

Os direitos humanos somente funcionarão plenamente e serão rigorosamente respeitados se existirem pessoas e instituições responsáveis para torná-los efetivos.

 

B. Ética e Governança

 

1. A Carta de Responsabilidades Universais: o terceiro pilar da Comunidade Internacional

 

Desde o começo dos anos 70, principalmente a partir da Conferência Internacional de Estocolmo sobre o Meio-Ambiente, a Comunidade Internacional tomou consciência da impossibilidade de se apoiar apenas nos dois pilares éticos e jurídicos adotados no fim dos anos 40: a Carta da ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

 

As discussões realizadas nas últimas décadas tem ajudado a esclarecer e a construir a ideia do que seria um terceiro pilar capaz de lidar com as interdependências entre as sociedades e entre a humanidade e o meio ambiente. Pouco a pouco, a ideia de que este terceiro pilar deveria tomar a forma de uma Carta de Responsabilidades Universais se impôs.

 

2. A Carta de Responsabilidades Universais fornece as bases para um novo contrato social entre as diferentes profissões e o resto da sociedade

 

Cada área da atividade humana se beneficia, de uma maneira ou de outra, do apoio da comunidade, mas deve, em contra partida, retribuir com um serviço e respeitar seus princípios éticos. Isto vale, particularmente, para a comunidade científica, para os educadores, jornalistas, militares, empresários, etc. Sendo assim, o conceito de responsabilidade está no coração da construção deste novo contrato social.

 

3. Responsabilidade e direitos são as dois alicerces inseparáveis da cidadania

 

Ser um cidadão de uma comunidade não significa apenas reivindicar direitos e ignorar as responsabilidades para com a sua sociedade. Tampouco seria apenas assumir responsabilidades, como contribuir com impostos e com a defesa do país, sem receber direitos.

 

Hoje em dia, além de a cidadania ser importante tanto para a escala local, quanto para o nível global, ela é peça fundamental para o equilíbrio entre direitos e responsabilidades.

 

4. A Carta de Responsabilidades Universais serve de base para a elaboração de um direito internacional amplo e efetivo

 

Atualmente, um ator internacional não responde a um direito internacional. Os atores econômicos e políticos apenas tem a obrigação de prestar contas a seus respectivos líderes, eleitores, jurisdição nacional e acionistas. A Carta de Responsabilidades Universais será a base de criação de um direito internacional capaz de remediar esta grave disfunção do sistema internacional atual.

 

5. A Carta de Responsabilidades Universais deverá transpor os diferentes direitos nacionais

 

Hoje em dia, apenas os Estado dispõem de um sistema jurídico e policial capaz de definir e aplicar sanções. Historicamente, as convenções nacionais somente se tornam efetivas e aplicáveis uma vez que transpassam o direito nacional. A União Européia é um excelente exemplo desta transposição. Poderíamos nos espelhar neste exemplo e aprender com esta experiência a fim de estabelecer rapidamente a transposição da Carta de Responsabilidades Universais sob o direito nacional dos países.

 

6. A criação de uma jurisprudência internacional através da aplicação da Carta de Responsabilidades Universais

 

Ao longo das duas últimas décadas, uma nova forma de regulação internacional surgiu: uma espécie de espaço jurídico informal, constituído por juízes originários de diversos países, que se baseavam livremente nas jurisprudências nacionais de seus colegas para tratar dos casos. Processos como este serão reforçados e incentivados pela implementação da Carta de Responsabilidades Universais.

 

7. Contar com a Carta de Responsabilidades Universais como forma de reforçar a efetividade dos direitos econômicos, sociais e ambientais

 

Ninguém pode negar que a efetividade destes direitos depende do nível de desenvolvimento e de riqueza de cada sociedade. No entanto, a um dado nível de desenvolvimento, percebe-se que alguns países com prosperidade material similar e com os mesmos meios e recursos a disposição acabam apresentando desempenhos diversos.

 

O princípio de responsabilidade universal aplicada aos Estados conduzirá os responsáveis políticos a enfrentarem suas responsabilidades próprias: as melhores soluções seriam extraídas da experiência de todos os países em mesmo grau de desenvolvimento, de acordo com os recursos disponíveis, para fornecer direitos econômicos, sociais, ambientais e culturais o mais eficazes possível à população.

 

C. Ética e Economia

 

Os modos de produção e consumo estruturam e definem os impactos que cada ator, cada cidadão e cada sociedade exercerão no resto da humanidade e no meio-ambiente. Não é possível existir sociedade sustentável enquanto os Estados e as empresas não se responsabilizarem por seus impactos e se, na ausência de informações pertinentes e de indicadores de “preço” coerentes, os consumidores individuais não estiverem dispostos a avaliar o impacto de seus respectivos modos de vida no planeta.

 

1. Responsabilidade dos atores econômicos e financeiros

 

O Direito e as práticas atuais permitem que os responsáveis pela economia e pelas finanças, principalmente os maiores entre eles, ignorem os impactos de suas ações do ponto de vista internacional e no longo prazo. Enquanto suas ações e seus impactos são internacionalmente nocivos, as únicas regras que lhes impõe restrições reais são, em geral, suas respectivas leis nacionais, Além disso, os impactos também não são levados em conta na produção das subsidiárias consolidadas e subcontratadas. Muitos mecanismos de remuneração dos chefes das empresas ou das intermediárias financeiras tendem a ignorar o problema. A responsabilidade institucional está separada da responsabilidade pessoal, o que incentiva a tomada do risco moral (“moral hazard”), a privatização dos benefícios sociais e a socialização das perdas. Sendo assim, uma Carta de Responsabilidades Universais se mostra fundamental para servir de base para um direito internacional de responsabilidades.

 

2. Responsabilidade dos dirigentes políticos

 

O impacto das políticas econômicas e do modo de vida atual é decisivo para a preservação das comunidades e do meio-ambiente e não pode ser considerado a nível internacional sem que haja uma base legal. É por esse motivo que é necessário remediar este impacto o quanto antes através da Carta de Responsabilidades Universais.

 

D. Ética e território

 

O princípio de responsabilidade está presente em todas as sociedades. A declaração de uma carta de responsabilidades universais pode reconhecer o princípio ético universal em cada comunidade por meio da atualização da natureza do contrato social que vincula esses diferentes membros.

 

1. A elaboração de Cartas territoriais de responsabilidade

 

Na maioria das cidades do mundo, coexistem populações de origens diversas, tanto étnicas quanto religiosas, resultando em uma grande mistura de povos. As comunidades atuais não podem mais querer buscar o fundamento de sua coesão em uma memória histórica comum, no compartilhamento de valores e mitos, etc. como acontecia nas sociedades passadas. Daí a importância de uma profunda revisão da vida em comum das populações, que pode ser feita através da elaboração coletiva e da adoção de uma carta territorial de responsabilidades que defina direitos e responsabilidades de cada comunidade em relação às outras.

 

2. A educação: um caso particularmente interessante para a elaboração de cartas territoriais de responsabilidade

 

Durante a III Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, ocorrida em Brasília em 2010, que reuniu 53 delegações nacionais de jovens de 12 a 15 anos, foi elaborada e adotada uma Carta de Responsabilidades para o Enfrentamento das Mudanças Ambientais Globais. Sua mensagem principal: “nós cuidaremos do planeta”. Isso foi uma demonstração brilhante da capacidade de um grupo de pessoas sem poder formal em afirmar em alto e bom tom sua própria responsabilidade.

 

Ao mesmo tempo, porém, observa-se a necessidade de uma profunda revisão nos sistemas educacionais, uma vez que a segmentação das disciplinas não prepara os jovens para viverem em um mundo complexo, muito menos para geri-lo. Os territórios são, portanto, os espaços educativos essenciais, pois é neste nível em que todas as dimensões da sociedade se encontram.

 

Além disso, os jovens estão extremamente limitados para cumprir suas responsabilidades, pois necessitam de uma formação específica para exercê-la e dependem do apoio das instituições, sejam elas educativas ou políticas. Daí a idéia de reformular a educação nas bases de um verdadeiro contrato social tripartite entre as coletividades territoriais, os sistemas de ensino e os jovens.

 

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