- InformaçãoRio+20 oferece a oportunidade produzir novas propostas para conceber e organizar a transição até sociedades sustentáveis. Esta rubrica tentará agrupá-las sistematicamente a medida dos avanços do processo.
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21 Janeiro 2012
Economia: as rupturas necessárias para a transição
Detalhes da proposta
ContextoTambém disponível em English, Français, Español
Propostas do coletivo francês para a Rio+20 e para o Fórum Social Temático 2012 que ocorrerá em Porto Alegre.
Atenção: o texto a seguir agrupa, de maneira sintética, várias propostas relativas às possibilidades de “ruptura” do sistema e não às múltiplas melhorias que podem ser feitas nele. Este texto faz parte de uma série de quatro documentos, cada um relativo a um dos quatro temas a serem tratados no Fórum Social Temático 2012: ética, território, governança e transição da economia para as sociedades sustentáveis.
Durante a apresentação de cada tópico, a análise retomará cada um dos quatro temas abordados nos demais documentos da série. Por exemplo: em todos os textos, o cruzamento território-economia se encontra nos mesmos termos tanto no texto “Economia” quanto no texto “Território”, possibilitando a leitura separada de cada um dos quatro textos.
Propostas e resumosEconomia: a transição para as sociedades sustentáveis
Atualmente, toda a lógica econômica está fundada no modelo de desenvolvimento onde impera o equilíbrio de crescimento infinito (equilíbrio da bicicleta). Tal modelo trabalha com a hipótese de que a auto-regulação do mercado é ótima e que suas regras se aplicam a todas as categorias de bens e serviços. Após a II Guerra Mundial e, principalmente, depois da queda do muro de Berlim, a organização de um mercado mundial unificado e sem barreiras é considerada, pela maioria dos governantes, um ideal a ser seguido. A vertiginosa baixa dos custos na circulação de mercadorias e informações resultou em uma dissociação crescente entre os lugares de produção e os lugares de consumo, o que serviu de base para as generalizações teóricas dos economistas. A economia começou a ser apresentada cada vez mais como uma ciência próxima das ciências naturais, com ênfase na matemática. Desde o século XIX, e mais ainda após o século XX, os dois atores principais da economia, que estruturam o sistema, são as empresas multinacionais e os Estados. Ao longo do tempo, tanto atores quanto seus dispositivos, principalmente os fiscais, foram projetados com base neste modelo econômico dominante.
Desde 1972 (Conferência de Estocolmo), e principalmente após 1992 (ECO-92), há um esforço global para atender às novas exigências de proteção do planeta sem alterar, a não ser que seja na margem, o modelo dominante. O resultado foi o conceito contraditório de “desenvolvimento sustentável”, que justapõe a ideia de um desenvolvimento sem fim com a ideia da existência dos limites físicos do planeta. Chegou a hora de tomar consciência de que a transição para as sociedades sustentáveis será feita somente através da reformulação radical do sistema: repensando sua teoria, suas instituições e seu modo de produção, de troca e de consumo.
A. Economia e Œconomia
1. Da Economia para a Œconomia
Em milhares de faculdades de economia e administração, o acréscimo do adjetivo “verde” ou “sustentável” acaba conferindo ilusoriamente um significado radicalmente diferente à palavra economia. Contudo, apenas uma mudança conceitual é capaz de causar uma ruptura. O que é preciso colocar em prática no século XXI é o que no século XVIII se chamava de Œconomia: a arte de explorar os recursos naturais escassos em benefício de todos. Esta definição de Œconomie deve servir de roteiro para uma transição global de modelo. Traduzindo cada um destes termos em propostas concretas, temos a seguinte definição: “a Œconomia é um ramo da governança. Sua finalidade é criar atores e arranjos institucionais, processos e regras para organizar a produção, a distribuição e o consumo de bens e serviços a fim de assegurar à humanidade o máximo de bem-estar possível através da melhor utilização da capacidade técnica e criativa dos homens, sempre se preocupando com a preservação e o enriquecimento do meio-ambiente, com o interesse, direitos e capacidades de iniciativas das gerações futuras e com o respeito às condições de responsabilidade e equidade participativa de todos”.
2. Territórios e indústrias sustentáveis: dois atores fundamentais para a Œconomia
Os dois principais atores da Œconomia no século XXI, que estruturarão o conjunto do sistema, serão os territórios e as indústrias. Os primeiros são cidades e regiões onde as relações entre pessoas, entre sociedades e entre homem e natureza podem ser abordadas localmente, gerando o todo “economia, sociedade e ecologia”. As indústrias, por sua vez, devem ser sustentáveis desde a mobilização de recursos primários até o consumo e a reciclagem, pois sociedades sustentáveis apenas sao viáveis se toda sua cadeia de produção está baseada em padrões sustentáveis.
3. A Œconomia precisa ser plural
A Œconomia é plural. Em uma sociedade, não é possível separar artificialmente as questões referentes à economia, à coesão social, à preservação ambiental e ao enriquecimento do meio-ambiente. Todas as esferas operam em conjunto e, portanto, devem ser abordadas conjuntamente. Os atores capazes de cuidar de todos esses objetivos e questões devem ser colocados em evidência. É por esta razão que a economia social e solidária deve ser apoiada e incentivada.
4. O mapeamento é obrigatório
Ao contrário do atual sistema que tende a separar a união natural entre a atividade produtiva e o consumo, a Œconomia procura tratar essa relação social fundamental como uma coisa só (a troca de bens e serviços é uma das mais importantes relações sociais), o que implica na obrigação de mapear a atividade econômica. Este mapeamento é tecnicamente fácil de realizar através dos novos sistemas computacionais. Na verdade, ele já é possível atualmente, sendo utilizado principalmente quando a segurança nacional está em jogo.
5. A moeda deve ser pluri-dimensional
Nosso conceito de moeda é uma herança de um passado limitado por ferramentas de cálculo rudimentares. Hoje em dia, a questão é incentivar o desenvolvimento do trabalho humano, redistribuir riquezas e limitar estritamente o consumo de recursos naturais não-renováveis, principal ameaça ao meio-ambiente. Tal desafio só pode ser atingido através da adoção de unidades de medida e de meios de pagamento diferentes para diferentes casos e situações. A moeda deve ser necessariamente plural (para permitir a articulação de diferentes níveis de troca entre o local e o global) e pluri-dimensional, para que o consumidor pague com unidades diferentes aquilo que é incentivado a consumidor e aquilo que é dissuadido a consumir.
B. Economia e Governança
Sendo a Œconomia um ramo da governança, podemos aplicar todas as reflexões Œconômicas na elaboração dos objetivos e princípios da governança. Este exercício se mostra muito proveitoso para projetar novos conceitos, arranjos institucionais e ferramentas, que serão brevemente exemplificados a seguir.
1. Estabelecer regimes de governança adaptados à natureza dos vários bens e serviços
A arte da governança reside particularmente na capacidade de inventar mecanismos que se adaptem aos problemas postos. Definitivamente este não é o caso do modelo econômico atual, que procura juntar os bens e serviços em duas categorias: os bens comercializáveis e os bens públicos. Os regimes de governanças do futuro, pelo contrário, deverão corresponder a quatro categorias de bens e serviços: 1) aqueles que são destruídos quando são divididos, como é o caso dos ecossistemas e dos seres vivos; 2) aqueles que podem ser divididos e compartilhados, mas que são limitados, como é o caso da maioria dos recursos naturais, em particular a água e as energias fósseis; 3) aqueles que se dividem através do compartilhamento, mas cuja a quantidade é limitada apenas pela criatividade e pelo trabalho humano, tais como os bens industriais, feitos apenas para atender a um mercado monetário; e 4) os bens intangíveis como a inteligência, a experiência e o capital imaterial que se multiplicam através do compartilhamento e que, ao invés de serem gerados pela escassez artificialmente criada pelos direitos da propriedade intelectual, deveriam servir como a base da prosperidade e do bem-estar de amanhã.
2. Os regimes de governança dos recursos naturais: as cotas comercializáveis
O imposto de carbono é um imposto regressivo, onde o custo da energia acaba pesando mais no orçamento das famílias pobres do que nos bolsos das famílias ricas. Além disso, os gastos com energia crescem à medida que a renda familiar aumenta. Considerando a quantidade limitada dos recursos naturais não-renováveis, se queremos preservar o meio-ambiente, o princípio de justiça deve orientar imperativamente a distribuição destes recursos. Sendo assim, o sistema de cotas de carbono comercializáveis, onde aqueles que consomem menos podem revender sua cota para aqueles que preferem manter um estilo de vida mais custoso em energia, é um sistema que leva em conta os limites da biosfera e é socialmente justa. São estas cotas de carbono que constituem (na lógica da moeda pluri-dimensional) uma “moeda energia” ou uma “moeda recursos naturais”. É este sistema que precisa ser instaurado desde o nível local até o nível mundial.
3. Reintegrar o modo de consumo na esfera das escolhas democráticas
Os critérios da escolha entre consumo e entre modos de vida são, aparentemente, determinados pelas preferências individuais. Mas, na verdade, essas escolhas decorrem de uma escolha coletiva que modifica os critérios das escolhas individuais. O exemplo do transporte individual e do transporte coletivo é uma boa ilustração. Do nível local ao nível mundial, é possível e necessário desenvolver modalidades de escolhas democráticas para novos modos de vida.
C. Economia e Ética
Os modos de produção e consumo estruturam e definem os impactos que cada ator, cada cidadão e cada sociedade exercerão no resto da humanidade e no meio-ambiente. Não é possível existir sociedade sustentável enquanto os Estados e as empresas não se responsabilizarem por seus impactos e se, na ausência de informações pertinentes e de indicadores de “preço” coerentes, os consumidores individuais não estiverem dispostos a avaliar o impacto de seus respectivos modos de vida no planeta.
1. Responsabilidade dos atores econômicos e financeiros
O Direito e as práticas atuais permitem que os responsáveis pela economia e pelas finanças, principalmente os maiores entre eles, ignorem os impactos de suas ações do ponto de vista internacional e no longo prazo. Enquanto suas ações e seus impactos são internacionalmente nocivos, as únicas regras que lhes impõe restrições reais são, em geral, suas respectivas leis nacionais, Além disso, os impactos também não são levados em conta na produção das subsidiárias consolidadas e subcontratadas. Muitos mecanismos de remuneração dos chefes das empresas ou das intermediárias financeiras tendem a ignorar o problema. A responsabilidade institucional está separada da responsabilidade pessoal, o que incentiva a tomada do risco moral (“moral hazard”), a privatização dos benefícios sociais e a socialização das perdas. Sendo assim, uma Carta de Responsabilidades Universais se mostra fundamental para servir de base para um direito internacional de responsabilidades.
2. Responsabilidade dos dirigentes políticos
O impacto das políticas econômicas e do modo de vida atual é decisivo para a preservação das comunidades e do meio-ambiente e não pode ser considerado a nível internacional sem que haja uma base legal. É por esse motivo que é necessário remediar este impacto o quanto antes através da Carta de Responsabilidades Universais.
D. Economia e Território
1. Transformar os territórios e as cidades nos principais atores da Œconomia
Tal perspectiva é extremamente nova e pressupõe novos conceitos e novas instituições, com destaque para a criação de agências Œconômicas territoriais capazes de dotar os territórios e as cidades de meios para entenderem o funcionamento de seu metabolismo e para organizar e gerar os diferentes fluxos que lhe atravessam.
2. Apropriar-se das escolhas econômicas em nível local
Em todos os níveis, do local ao mundial, a escolha coletiva por um certo padrão de vida e de consumo é uma dimensão essencialmente democrática. Não se trata de retornar a uma economia planificada, que fracassou no mundo inteiro, mas de promover um debate coletivo em cada território. Por exemplo, se queremos criar sociedades sustentáveis, é preciso substituir sempre que possível os bens materiais por serviços. Atualmente, os infinitos objetos e máquinas que povoam nosso cotidiano moderno e nem sempre trazem melhorias no nosso bem-estar são incessantemente descartados e substituídos por outros bens similares, enquanto poderiam ser substituídos por serviços mais eficientes, limpos e realmente indispensáveis. Isto, contudo, não é possível de por em prática a partir de decisões individuais. É preciso dar aos consumidores previsões de consumo e, ao mesmo tempo, impor aos fabricantes normas de compatibilidade entre matérias-primas que permitam uma atualização fácil e rápida do produto. Tudo isso só é possível através de escolhas coletivas. Algumas normas, como aquelas referentes aos produtos industriais, devem ser adotadas em nível mundial, enquanto que outras possuem maior significado em nível local.
3. A Economia Social e Solidária está enraizada nos territórios
Em um mercado mundial ou nacional, em sistema de concorrência clássica, a experiência mostra que, no caso dos bancos ou das firmas de seguro, por exemplo, as empresas de economia social não se comportam tão distintamente das outras empresas tradicionais.
É no nível local que a economia social e solidária contribui melhor para a elaboração permanente de novas respostas aos problemas emergentes: este processo de aprendizagem múltipla, que oferece diversas respostas para o mesmo problema, realizado por uma comunidade, é o meio mais seguro de aumentar o capital imaterial da sociedade, bem como sua capacidade de reagir e de tomar iniciativa em qualquer circunstância.
A economia social e solidária, através da mobilização local de recursos na forma de capital, de inteligência e de trabalho, da combinação entre bens e serviços comercializáveis ou não e da apropriação de objetivos econômicos, sociais e ambientais, constitui um ramo essencial da Œconomia e um dos melhores meios de inseri-la nos territórios.
4. O território: nível fundamental para a gestão de bens comuns
Em primeiro lugar, é no nível local que os regimes de governança correspondentes às diferentes categorias de bens e serviços devem ser estabelecidos. É evidente que a proteção dos bens que são destruídos quando partilhados (os ecossistemas) deve ser feita através de uma ação conjunta entre população e autoridades públicas. No caso de ecossistemas que beneficiam uma comunidade maior que o território em questão, é preciso promover negociações que garantam a manutenção dos bens comuns por tal comunidade.
No que se refere aos recursos naturais, como a água e a energia fóssil, é também no nível local que é preciso definir as cotas de consumo, os modos de distribuição de cotas entre as atividades e as famílias e que se deve organizar o sistema elementar de troca de cotas.
5. O território como espaço de organização de uma Œconomia descentralizada através do uso generalizado de moedas complementares
Devemos rejeitar a oposição entre as economias fechadas, voltadas para si mesmas, apresentadas como um retorno ilusório a um passado glorioso, e um mercado único global, na qual vemos que, em última análise, resultaria na incapacidade de conectar localmente a ociosidade, a criatividade não utilizada e as necessidades da população.
Dado o atual estado de interdependência global, nenhuma economia local ou nacional pode se fechar em si mesma. Contudo, o mercado mundial revelou sua incapacidade de trazer respostas rápidas e eficazes às exigências da coesão social e da proteção do meio-ambiente de forma global. Como em todas as outras áreas da governança, o que se mostra relevante é saber articular diferentes níveis de produção e de troca, do local ao mundial.
A introdução da diversidade de moedas (criação de uma moeda e construção de uma comunidade caminham sempre juntas) permite que cada território estimule as cadeias econômicas curtas, as combinações de atividades remuneradas e não remuneradas, os termos de equivalência entre tempo e trabalho, etc. Reinventadas no século XIX para fazer frente às crises (já que a pluralidade de moedas era a regra nos tempos antigos), desenvolvidas em diferentes níveis (na prática, muitos países usavam moedas diferentes para trocas internas e trocas externas), beneficiando-se de todas as facilidades atuais oferecidas pela informática e pela internet, estas moedas locais e regionais, ou mesmo próprias de uma comunidade profissional específica (como o Wir das pequenas e médias empresas suíças), são uma opção capaz de ser adotada em diferentes territórios do planeta de forma generalizada.