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Proposals for a world governance Propostas para uma Nova Governança Mundial

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I – Introdução

Dinâmicas de evolução e de emergência de uma nova governança mundial

  • Uma questão eterna feita novamente hoje
  • A mundialização pede uma arquitetura que integre, mas que vá além dos Estados-Nações
  • A emergência e a complexidade dos problemas está globalmente em descompasso com os nossos modos de governança
  • Avanços e obstáculos da emergência de uma nova governança mundial
  • Um primeiro passo incontornável: qual sociedade mundial queremos?

 

II – Propostas para uma nova governança mundial

  • Organizar fóruns multi-atores articulados por filiais, cimento de uma governança mundial eficiente
  • Constituir conjuntos geopolíticos na escala regional
  • Elaborar um Índice de Governança Mundial
  • Instituir um Tribunal Internacional do Meio Ambiente
  • Constituir uma força armada mundial, baseada no voluntariado, independente dos Estados, regida pelo direito internacional
  • Promover à escala local as redes industriais e de serviços, articulados aos níveis regionais e transnacionais por um sistema de moedas regionais

 

 

Uma questão eterna feita novamente hoje

Como se organizar? Como se organizar de maneira justa e sustentável? Como governar de maneira eficiente? Tais são as perguntas, simples no início, que atormentam filósofos, juristas e teólogos desde a Antiguidade. Tais são as perguntas que os povos e responsáveis políticos tentam há muito tempo resolver, os segundos com respostas diversas vezes diferentes dos primeiros. Que tenha sido na Grécia Antiga, na grande Pérsia, na Índia, na China unificada, ou nos impérios asteca e inca, para citar alguns, a busca da melhor organização política constituiu e constitui a base de toda reflexão sobre a governança, e a fortiori sobre a boa governança.

 

Portanto, o vasto corpus que se empenhou em responder a esta problemática que define a essência própria da humanidade se dedicou essencialmente à organização de sociedades fechadas e, em sua maioria, homogêneas. Fechadas pelas suas fronteiras e pelos limites de seus aparelhos estatais; homogêneos, porque uma cultura dominante regia a maioria do tempo as sociedades, inclusive as sociedades pluriculturais (como o Império Otomano ou o Império Inca). Essa cultura dominante, que foi durante muito tempo a do Príncipe, é hoje a da maioria nas sociedades democráticas modernas. Muito tempo considerada, correta ou erroneamente, como um fator de conflito, a heterogeneidade cultural ou religiosa foi, de maneira significativa, o alvo principal dos arquitetos da primeira ordem transnacional da história, a da Westphalie, que definiu como primeira regra que a religião do Príncipe seria a do seu povo.

 

A filosofia política quase sempre se fixou um limite espacial, o da cidade, do reino, do império, da república, ou, mais recentemente, da nação; únicas exceções à regra – sempre é preciso! – como a monarquia universal de Dante ou a república onipotente de Hobbes, que eram de fato super Estados cujos criadores só faziam permutar à escala global a arquitetura da cidade. O período que se estendeu da metade do século XVII até o fim do século XX, e que marcou o fim dos impérios, concomitante à emergência e em seguida ao advento do Estado-nação, só fez reforçar o sentimento de que o espaço da governança é essencialmente aquele do Estado-nação.

 

Em 1648, uma ampla côrte de diplomatas e juristas colocava fim a um dos conflitos mais abjetos da história e instaurava uma nova governança para a Europa. Desde então, o código de conduta das nações foi mais ou menos o da ordem de Westphalie. Hoje, esta ordem está morta. É, atualmente, imperativo ultrapassar essa morte e inventar uma nova. Mas para isso é vital entender bem qual foi essa ordem Westphalie de qual espírito ainda pode nos guiar.

 

A paz de Westphalie foi primeiro um dos maiores sucessos da história em termos de resolução de conflito, pois acabou com as guerras de religião que envenenavam a Europa há mais de um século. Mas a paz da Westphalie executou ainda muito mais do que isso: ela colocou um fim às tentativas de homogeneidade imperial e facilitou a emergência do Estado-nação; ela acabou com a ingerência da Igreja nos assuntos de Estado; ela introduziu um código de conduta dos Estados através do estabelecimento de um direito internacional que, desde então, não parou de ganhar força; enquanto isso, ela colocou limites à violência organizada definindo a legitimidade do uso da força e regulando a prática da guerra; ela pôs a problemática dos direitos humanos no seio das relações inter-estatais, impondo o princípio de soberania nacional e de não-ingerência nos assuntos internos dos países; ela protegeu tanto que possível a integridade dos pequenos Estados frente aos apetites dos grandes; ela propôs um sistema de contra-poderes capaz de impedir as tentativas de hegemonia dos Estados mais ambiciosos.

 

Se o sistema westphalien se desintegrou a partir do fim do século XVIII até agonizar no XX e XXI, foi antes de tudo porque esse sistema fora designado para a Europa e não para o mundo, para monarquias e não para repúblicas, para um sistema geopolítico e cultural heterogêneo. Contudo, o espírito da ordem westphalien ainda nos esclarece na nossa busca de uma nova governança mundial: o caminho do direito internacional, a defesa dos direitos humanos, a limitação da violência e a regulação do uso da força, a busca de uma paz duradoura, o estabelecimento de contra-poderes acabam sendo fundamentos da governança do século XXI. Mas, da mesma maneira que o mundo do século XVII estava numa dinâmica de ruptura e necessitava de uma revolução política, o do século XXI – com a globalização, a ameaça ao meio ambiente e o problema das desigualdades e da sustentabilidade – deve imperativamente e rapidamente mudar. Hoje, a governança é global, o sistema mundo é heterogêneo e diverso. O Estado-nação, que antigamente podia resolver tudo ou quase tudo, deve contar com outros atores e com outras competências. Novos contra-poderes devem ser estabelecidos, inclusive para evitar os abusos de novas fontes de poder. A defesa dos direitos humanos deve se conjugar diferentemente, incluindo a problemática da ingerência e do respeito das soberanias nacionais. Em resumo, a morte do sistema westphalien deve nos incitar à reflexão: o estabelecimento de uma nova governança mundial ganhará a se inspirar do espírito westphalien, se livrando de uma herança as vezes pesada que, hoje ainda nos impede de ir pra frente.

 

A globalização pede uma arquitetura que integre, mas que vá além dos Estados-nação

Paradoxalmente, o momento que coincidiu com a queda do ultimo império, a União Soviética, também foi o que viu a emergência de uma idéia, e mesmo da necessidade de elaborar uma nova governança transnacional, uma “governança mundial”. Certamente, a problemática da guerra e da paz tinha gerado, desde sempre, uma reflexão sobre as relações entre as entidades políticas, que designamos comumente pela a expressão « relações internacionais », mas, para o essencial, essa reflexão tinha se focalizado em torno do Estado. A primeira tentativa de ir além dos métodos tradicionais de gestão das relações internacionais foi de fato construída em torno do Estado: a Sociedade das Nações e sua filha, a Organização das Nações Unidas, constituíram – e continuam formando, no caso da ONU – uma associação de Estados por isso inerentemente limitadas em sua estrutura de base. Os G8 e G20, cuja arquitetura original vem dos anos setenta, são também estruturados numa base estatal, com uma arquitetura mais simples do que a da SDN ou da ONU e, mesmo sendo mais recente, mais arcaica na sua filosofia porque se baseia mais no modelo político da aristocracia do que a semi-democracia da ONU.

 

Mas a grande revolução do momento, e ela é uma só, gira em torno de dois eventos simultâneos e de alguma forma relacionados um com o outro. O primeiro evento é a globalização. A globalização não é um fenômeno novo, mas chegou ao fim do século 20 num limiar crítico, onde os vários fenômenos que definem e vem desta globalização tem dominado completamente as habilidades e capacidades dos Estados, ainda mais porque esses continuam a trabalhar, inclusive dentro da União Europeia, de acordo com o princípio conhecido como o “interesse nacional”.

 

O segundo fenômeno é o entendimento, que encontrou uma primeira expressão nos anos cinqüenta com a ameaça de um desastre nuclear, e em seguida na década de oitenta com os primeiros indícios de uma deterioração rápida e alarmante do meio ambiente, que a industrialização dos últimos dois séculos, e todos os excessos que a acompanharam, levaram a uma fase crítica na história em que o ser humano não só é capaz de se auto-destruir enquanto espécie, mas também pode destruir seu planeta.

 

A emergência e a complexidade dos problemas está globalmente em descompasso com os nossos modos de governança

Decorre da globalização e desta conscientização de uma realidade brutal que, por um lado, enfrentamos problemas totalmente novos e de uma complexidade e urgência extremas (migrações, crises financeiras, distúrbios ecológicos, etc.), e por outro, que não temos os modos de governança adequados para resolver esses problemas. A Conferência do Rio em 1992, e as conferências que seguiram, responderam, de alguma forma, ao primeiro componente apresentando os termos da problemática e alertando a humanidade para a urgência dos problemas, os identificando de forma sistemática e precisa.

 

No entanto, os progressos em termos de governança têm sido extremamente decepcionantes até agora, como a Conferência de Copenhaguen de 2009 ilustrou de forma óbvia, ao mostrar quão longo é o caminho que temos pela frente neste campo e quanto é necessário desenvolver esquemas para uma governança mundial eficiente e eficaz.

 

Porém, não devemos desistir, muito pelo contrário, e o acontecimento de um grande encontro 20 anos depois da primeira Conferência da Terra deveria proporcionar uma boa oportunidade de discutir em profundidade e sem desvio a questão da governança mundial, porque ela está verdadeiramente no coração do futuro da humanidade e do planeta. Se devemos tirar uma lição dos últimos 20 anos, é que do jeito que estão as coisas, não temos estruturas adequadas para enfrentar e resolver todos estes problemas que hoje convergem, e contra os quais estamos finalmente totalmente sem poder, se não desemparados. Os Estados, começando pelas grandes potências, as potências emergentes e pelas Nações Unidas, são obviamente ​​essenciais e muito importantes na elaboração destes novos esquemas. Mas eles também são de alguma forma uma força de inércia que teremos que compensar e superar.

 

Como abordar esse problema de governança mundial? Isso é, na base, válido para qualquer filosofia política, com essas duas questões: como preservar o que deve ser preservado? Como mudar o que precisa ser mudado em nossos modos de governança? Sempre na perspectiva de um progresso da ação política que segue e até antecipa a evolução histórica.

 

A evolução do mundo nas últimas décadas tornou obsoleta a prática das relações internacionais fundamentada nos interesses nacionais e nas relações de poder, a qual o sistema da ONU vinha certamente reduzindo, mas sem ter modificado os fundamentos.

 

Em geral, a prática das relações internacionais é amoral: segue os interesses dos países mais poderosos, às vezes em detrimento do interesse geral ou daqueles mais fracos que impedem o seu caminho. Às vezes, se todos os interesses coincidem, isto é mais fruto do acaso do que de uma vontade concertada de agir para o bem do maior número. A reorganização da geopolítica mundial com a chegada das potências emergentes altera o status quo, mas não a conduta dos Estados.

 

Avanços e obstáculos da emergência de uma nova governança mundial

Na sequência da Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas, a concepção westphalien do Estado – no que se refere ao plano interno, o Estado sendo o único com o monopólio legítimo da força, e em relação ao plano externo, como um ator unitário, racional e soberano – é fortemente contestada. Os dois principais argumentos são a procura de uma maior representatividade dos atores não-estatais no sistema internacional e também a conscientização progressiva da impossibilidade de separar a questão do meio ambiente entre as esferas da política interna e externa.

 

Esta interdependência inegável entre os Estados sobre diversos assuntos – como a economia, o meio ambiente e as questões sanitárias – e a supremacia do princípio do interesse coletivo, não só pedem uma maior cooperação no sistema internacional, mas também o reconhecimento da papel principal da solidariedade internacional e de seus atores nos processos de decisão.

 

Apesar da facilidade para adotar acordos e da capacidade de alimentar a cooperação permitida pela criação das organizações internacionais, há uma enorme diferença entre estas organizações e os desafios que a humanidade enfrenta.

No que se trata da sociedade civil, anos de empenho e mobilizações na luta contra as desigualdades sociais, contra a mudança climática e a erosão da biodiversidade, bem como os pedidos de uma redistribuição mais justa da riqueza tem permitido avanços reais de desenvolvimento. No entanto, a situação na qual está o nosso planeta e a maioria da população mundial continua muito precária: escassez, falta de acesso a serviços básicos, desrespeito aos Direitos Humanos, destruição de ecossistemas …

 

Essa situação degradente só piorou depois do colapso da crise financeira em 2008. Um desvio maciço das finanças públicas feito para salvar instituições financeiras e, em menor grau, investimentos visando a recuperação econômica global foram introduzidos sem qualquer análise prévia das reais causas da crise: a concepção do sistema em si.

 

Além disso, a lei da concorrência, que é necessária para as atividades econômicas, se torna a regra de arbitragem em questões internacionais. Atualmente, a Organização Mundial do Comércio é a única organização internacional com um órgão de solução de controvérsias vinculante. Isso a leva a tomar decisões em outras áreas do que o comércio. A ausência ou incapacidade dos processos de arbitragem faz com que este órgão da OMC estabeleca uma jurisprudência que define as regras internacionais, sem negociações prévias e dá ao comércio um lugar proeminente no direito internacional.

 

O maior reconhecimento do papel dos atores não-estatais tem colocado novamente, e mais fortemente, a questão da transparência e democratização das organizações internacionais. Os atores da sociedade civil, que em diversas ocasiões são também os atores das ações operacionais da cooperação internacional, contribuem para a margem dos processos decisórios destas organizações. Além de não ter um compromisso com os interesses nacionais e, portanto, de poder defender as questões transfronteiriças com mais legitimidade, a sociedade civil trará “uma experiência de campo ” nas negociações.

 

Mesmo se as questões de desenvolvimento continuam a ser cruciais, constatamos que não há lugar de negociação internacional para este tópico hoje em dia. O Conselho Econômico e Social (ECOSOC) não consegue desempenhar o seu papel como coordenador das atividades da ONU em termos de desenvolvimento. Da mesma forma que a Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável não assegura uma coerência entre as diversas dimensões econômicas, sociais e de políticas do desenvolvimento sustentável.

 

Um primeiro passo incontornável: qual sociedade mundial queremos?

É por isso que desenvolver um novo sistema de governança mundial deve ir além e fazer a pergunta da busca por uma sociedade mundial justa e responsável. Mas como definir o “bem”, como definir a boa sociedade (global)? Essa dimensão ética e cultural é fundamental. É explorando nossas capacidades e limitações que aprendemos a gerir as nossas diferenças. É pensando nos fundamentos éticos de governança mundial que poderemos responder a esta pergunta fundamental: será que o outro é a alteridade ou é uma parte de nós mesmos? Em termos práticos, a grande questão ética e cultural que deve ser resolvida antes que seja iniciada a construção de uma autêntica governança mundial é a seguinte: como reconstruir o universal a partir das civilizações? Só enfrentando sem restrição estas questões difíceis, mas apaixonantes que poderemos realmente avançar. Rio +20 nos dá a oportunidade.

 

Hoje, enquanto os efeitos da globalização e da ameaça ao meio ambiente ultrapassam o âmbito das políticas nacionais, torna-se imperativo redefinir as regras de conduta dos Estados. Para isso é necessário pôr em evidência as bases éticas de uma prática das relações internacionais que promova os interesses gerais e coletivos em vez de interesses nacionais.

 

De fato, a “moralização” das relações internacionais se traduz por uma aplicação que prefere o multilateralismo ao unilateralismo, a cooperação ao invés da coerção, a defesa dos direitos humanos e a redução das desigualdades em vez da motivação do lucro e da perda de recursos naturais dos países mais pobres.

 

Tal transformação implica em uma revisão dos princípios da governança mundial. Para dar um exemplo, o sistema que herdamos tem como princípio básico o respeito às soberanias nacionais e a não interferência nos assuntos internos de um país. Porém, esse princípio ainda é válido ou desejável? Dois exemplos recentes, o do Japão e o da Líbia nos desafiam neste assunto, mas sem ter realmente procurado redefinir as regras do jogo. De modo mais geral, devemos agora estabelecer novos princípios a partir de conceitos que, até agora, eram quase ausentes nas relações internacionais: a responsabilidade coletiva, a equidade e a solidariedade.

 

Em resumo, estes novos princípios de governança devem transcender as fronteiras nacionais, capacitando os Estados nas suas obrigações individuais e coletivas no interesse público, do planeta e de seus habitantes. Estes princípios colocam novas restrições sobre a legitimidade da ação coletiva, a competência, o exercício da cidadania conforme ao respeito dos direitos humanos, da resolução das tensões entre o local, o nacional e o global.

 

 

II. Propostas para uma nova governança mundial

O desafio é elaborar uma arquitetura da governança que se adapte aos dados atuais e estabeleça o princípio de responder aos desafios que enfrentamos hoje. Trata-se de estabelecer as bases para uma nova governança mundial a partir desses problemas, com mecanismos e instituições que se dediquem a resolvê-los. Vimos que, em primeiro lugar, há mais de vinte anos, temos sido capazes de identificar esses problemas. E que, por outro lado, as instituições e os mecanismos existentes são não só inadequados, mas, muito mais grave, que são incapazes de se adaptar, pelo menos suficientemente e suficientemente rápido.

 

A partir daí, como avançar? Uma primeira etapa se refere aos atores. É óbvio que outros atores, fora os Estados, estão dentro da elaboração de uma nova arquitetura que leva em conta a economia mundializada. Esses atores, incluindo os da sociedade civil, e as empresas respeituosas do meio ambiente e do direito dos trabalhadores são hoje em dia inevitáveis​​. Quanto mais cedo eles tomarem parte na implementação da governança mundial, mais cedo ela terá oportunidade de ver o dia.

 

→ Proposta : Organizar fórums multi-atores articulados por filiais, cimento de uma governança mundial eficiente

Fóruns Multi-Stakeholders, que reúnam todos os atores de um setor ou de uma área, representam uma inovação promissora. A vantagem de pensar nessa estrutura é que ela permite superar o quadro meramente territorial. Ela fortalece a base dos atores, dos trabalhadores, dos empresários, dos responsáveis de territórios locais, mas posiciona-se no quadro geral do setor, atravessando os territórios, pois destaca os atores onde eles estão, desde a localização até a rede global. Esta dupla articulação território / fórum multi-stakeholder pode ser o verdadeiro cimento da nova arquitetura de uma governança mundial eficiente.

 

A questão dos conjuntos “geopolíticos” da governança mundial é uma segunda etapa. Neste domínio, parece lógico que os grandes grupos regionais ou “multi-continentais” sejam os principais elementos desta nova construção que é a governança mundial.

 

→ Proposta: Constituir conjuntos geopolíticos na escala regional

Uma das características essenciais que já marca a nova arquitetura da governança mundial é uma reconfiguração dos territórios na escala regional, sub-continental. A questão é que ela põe em causa as fronteiras. Não pode se exigir a eliminação das fronteiras, as mentalidades ainda não estão prontas para isso, mas já vemos a circulação de fluxos humanos, econômicos, comerciais e tecnológicos, etc. que transcendem as fronteiras. É difícil generalizar as características específicas desses processos porque eles são variados. A União Europeia, a UNASUL na América do Sul, a ASEAN na Ásia, a União Africana, são conjuntos de várias dimensões econômicas e políticas, mas nós sabemos agora que os novos grupos regionais são mais flexíveis, se adaptam mais para a configuração dos mercados e das alianças políticas ou diplomáticas. A reconfiguração transnacional dos territórios corresponde mais, aliás, às novas matrizes energéticas renováveis, a onde o essencial é a relação entre diversas fontes que necessitam de um sistema integrado de abastecimento de energia eólica, fotovoltaica, solar térmica, energia das marés, biomassa, etc. onde “o território energético”, para chamá-lo assim, se estende para muito além das fronteiras. A chave é encontrar outros mecanismos, sem passar apenas por Estados, mas sem os ignorar, para reforçar estes novos territórios econômicos, políticos, culturais e ecológicos.

 

O conceito de indicadores e de índices é muito controverso. É um fato, os indicadores, incluindo aqueles desenvolvidos pelo FMI e o Banco Mundial, são explorados, muitas vezes com fins questionáveis​​. Sem falar da maneira de como os índices são utilizados, a sua concepção e sua implementação devem ser objeto de cautela. Apesar das muitas falhas que acompanham o conjunto de indicadores em todas as categorias, os indicadores podem ser usados ​​com sabedoria.

 

→ Proposta: Elaborar um Índice de governança mundial

Iniciativas para novos indicadores da riqueza, da produção e do desenvolvimento sustentável já foram realizados. É com isto em mente que temos que desenvolver indicadores de governança mundial. Se trata de uma tarefa que vai exigir ainda muito trabalho e reflexão, especialmente para desenvolver indicadores transnacionais que excedem os dados nacionais, praticamente os únicos disponíveis no momento. Eventualmente, o Índice de Governança Mundial (IGM) poderia tornar-se um padrão incontornável na área.

É necessário desenvolver as regras internacionais existentes, ou mesmo estabelecer regras supranacionais, tanto para definir de modo legítimo uma ordem climática e as normas para garantir a sua permanência que para regular os diversos conflitos decorrentes da disponibilização de recursos limitados, que seja em termo de energia, de água ou de terras férteis.

 

→ Proposta: Instituir um Tribunal Internacional do Meio Ambiente

A necessidade de impor restrições que sejam aceitas e respeitadas pelas partes em questão requer a construção de normas legais que pareçam legítimas e sejam, portanto, aceitas como tais. Se os Estados nacionais conseguem chegar a um acordo sobre novas regras impondo obrigações a todas as nações e empresas no mundo, por exemplo, na emissão de gases de efeito estufa, na poluição ou no consumo de energia, faltaria fazer cumprir esse direito mundial. Para este fim, órgãos de fiscalização devem ser criados para controlar quem executa e quem não executa estas regras. Mais, organismos supranacionais de polícia e de justiça devem ser capazes de punir os Estados ou as empresas, nacionais e transnacionais, que deixam de seguir estas regras de direito mundial.

 

Uma força armada mundial capaz de impedir as guerras atuais e novas guerras que nos ameaçam não só no Oriente Médio, na Ásia, na África, mas em todos os continentes, tornou-se uma urgente necessidade histórica. Esta necessidade é principalmente sentida pelas pessoas que sofrem com conflitos letais, mas também pela “comunidade internacional” que precisa desta força toda para evitar as guerras, e nunca se sabe, a sua própria auto-destruição (por exemplo, se a energia nuclear irrompe descontroladamente).

 

→ Proposta: Constituir uma força armada mundial, baseada no voluntariado, independente dos Estados, regida pelo direito internacional

O problema é que não construimos (ainda?) uma comunidade mundial. Nós dissemos que a ONU não a representa totalmente. Como vamos fazer? Sob que autoridade colocar esse exército mundial? É óbvio que o colocar sob o comando da OTAN seria “impróprio” para dizer o mínimo. A questão da construção da comunidade mundial se articula então com a reconfiguração dos territórios em escala regional e continental. Deveríamos chegar a uma nova articulação dos territórios, sem os congelar demais e sem os fazer depender apenas dos Estados. Mas esse exército mundial não deve ser espalhado nos territórios. Dá para perceber muito bem “a distância” que nos separa de uma arquitetura sustentável de governança mundial. Em todos os casos, oferecer uma força armada mundial, baseada no trabalho voluntário, independente dos Estados, regida pelo direito internacional (que já existe), nos faz avançar na reflexão, porque nos obriga a pensar “a fundação” que iria segurar e proteger a nova arquitetura da governança mundial num mundo mais seguro e mais pacífico.

 

A problemática da ecologia, a da economia, incluindo a economia verde, a das desigualdades sociais, especialmente a pobreza extrema, constituem todas elas etapas que permitiriam, individual ou coletivamente, estabelecer um roteiro para iniciar as bases de uma governança mundial, cuja primeira exigência seria a de proteger o meio ambiente e reduzir as desigualdades.

 

→ Proposta : Promover à escala local as redes industriais e de serviços, articulados aos níveis regionais e transnacionais por um sistema de moedas regionais correspondendo aos diferentes tipos de bens

(Os bens) que acabam sendo consumidos, os que são finitos, os que se dividem partilhando, mas que estão disponíveis em quantidade indeterminada e os que se multiplicam pela troca). Colocar todos esses bens na mesma cesta do mercado capitalista é um erro monumental da ideologia neoliberal e a nova economia que emerge deve implementar não só um sistema de produção e de consumo novos, mas também um sistema de troca baseado em outros valores que a busca do lucro, tais como a solidariedade, a responsabilidade, a dignidade e o « bom viver ».

 

 

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