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Por que a governança mundial do meio ambiente caminha tão lentamente? Por que a governança mundial do meio ambiente caminha tão lentamente?

 

Se acreditarmos nos jornais, a tomada de consciência sobre os problemas ambientais globais é muito forte. Como, então, nessas condições, a governança mundial do meio ambiente tem permanecido tão fraca? Fraca não me parece exagero: lá se vão vinte anos desde a primeira Cúpula da Terra. Com grande unanimidade, todos disseram: “é preciso que as sociedades do mundo tomem um novo rumo, estamos num impasse”.

 

Para sair desse impasse, popularizou-se o conceito de “desenvolvimento sustentável”. Hoje em dia, todo mundo pode se preocupar com o desenvolvimento sustentável, mas se, na realidade, estamos progredindo no bom sentido, isso está ocorrendo dentro um trem que vai dez vezes mais depressa no sentido inverso. Em outros termos, estamos caminhando para trás. E a governança mundial no meio ambiente, apesar da assinatura de inúmeros acordos internacionais, permanece pouco eficaz.

 

Para que as coisas mudem, bastaria, como pensam alguns, criar uma agência poderosa da ONU encarregada do meio ambiente? Meu sentimento é de que não. Os obstáculos para uma governança mundial eficaz do meio ambiente são muitos. São eles que eu gostaria de analisar aqui, pois somente a sua compreensão permitirá encontrar, progressivamente, as respostas.

 

1. A ONU: uma instituição fraca e incapaz de se reformar

 

Muitos movimentos progressistas – penso, por exemplo, nesses que ouvimos nos fóruns sociais mundiais – proclamam que se colocássemos as instituições financeiras internacionais (o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) ou a Organização Mundial do Comércio sob a autoridade da ONU teríamos uma verdadeira governança mundial. Pessoalmente, não acredito nisso.

 

A ONU tentou se reformar em 2005, notadamente por meio da ampliação do Conselho de Segurança, para assegurar uma melhor representação do mundo, mas os resultados foram decepcionantes. A dificuldade em reformá-la se deve à sua própria natureza: presume-se que todos os Estados estejam no mesmo caminho e sejam plenamente soberanos. Ora, com o decorrer dos anos e da multiplicação dos Estados independentes, a partir da Segunda Guerra Mundial, a heterogeneidade entre os mais poderosos ou os mais povoados e os mais pobres ou menores só fez aumentar.

 

Assim, apresentar a ONU como expressão de uma democracia mundial revela hipocrisia ou inconsciência. Ademais, o que significa o dogma da soberania dos Estados num contexto de crescente interdependência? Um amigo meu qualifica a ONU como “sindicato dos governantes do planeta”. É talvez um pouco exagerado, porém o fundo do problema está aí.

 

Não conseguiremos criar uma verdadeira governança mundial enquanto não chegarmos a uma Organização das Nações Unidas na qual estejam representados não apenas cada país, mas regiões do mundo suficientemente semelhantes, ao menos pelo tamanho da sua população.

 

Os acontecimentos recentes ilustram isso amplamente. A ONU não desempenhou um papel sério em nenhuma das crises recentes: nem no restabelecimento da paz, nem na gestão da crise financeira. Não foi por acaso que, retomando uma ideia já antiga, os países mais poderosos criaram o G20 para enfrentar a crise financeira. Esse G20 tem os mesmos limites e deficiências do G8, que ele tende a suplantar progressivamente: criou a ilusão de que esses países mais poderosos ou mais povoados podem se instituir como dirigentes do mundo.

 

Mas, na prática, ele já representa a maioria da população e 80% do produto nacional bruto mundial. É por isso que, mesmo com a criação, no âmbito da ONU, de uma autoridade mundial no meio ambiente (aliás, podemos dizer que ela já foi criada com a existência da Unep), isso não teria muito peso na gestão dos problemas ambientais ou globais.

 

2. Não podemos dispensar uma reflexão fundamental sobre a economia

 

Quando observamos como foi criado e popularizado – a partir do relatório Bruntland, em meados dos anos 80 – o conceito de “desenvolvimento sustentável”, percebemos que ele resgata o pensamento mágico, que ele constitui o que os linguistas chamam de oximoro. O que é um oximoro? É quando colocamos lado a lado dois conceitos contraditórios, no caso “desenvolvimento” e “sustentável”, e, porque os reunimos num conceito, acreditamos que a contradição foi superada. Evidentemente, não é o caso. Pior, a existência da palavra pode funcionar como uma verdadeira máscara: já que a palavra existe e todo mundo diz realizar o desenvolvimento sustentável, logo, estamos no bom caminho!

 

Não estou subestimando a tomada de consciência que possibilitou o conceito de desenvolvimento sustentável, e, ainda que se trate de um conceito vazio de início, ele pode adquirir sentido no correr dos anos. Apesar de tudo. Com as ferramentas intelectuais e institucionais de que dispomos, com a nossa maneira de pensar a economia, a ciência, a tecnologia, a moeda, o desenvolvimento, estamos hoje na incapacidade radical de gerir a contradição entre a criação de um bem-estar para todos, o aumento da população mundial e a finitude do planeta e dos recursos que a humanidade pode extrair dele.

 

Só podemos superar as atuais contradições se renovarmos profundamente o nosso pensamento econômico. Esbocei um certo número de pistas nessa direção em meu livro L’essai sur l’oeconomie [Ensaio sobre a oeconomia]. Para dar apenas um exemplo, enquanto contabilizarmos a energia e o trabalho humano com a mesma unidade contábil, com a mesma moeda, seremos incapazes de desenvolver o bem-estar e reduzir o consumo de recursos naturais. Isso não impede, claro, graças a uma tomada de consciência cada vez mais bem compartilhada, que as pessoas se esforcem, no seu nível, para resolver essa contradição, adotando um modo de consumo mais responsável, mudando sua forma de mobilidade, como voltar à bicicleta, consumindo menos carne, economizando água etc. Tudo isso é muito válido e respeitável, mas não seria capaz de substituir uma mudança mais profunda do sistema.

 

3. O meio ambiente é, por natureza, uma questão transversal, e uma instituição dedicada não conseguiria considerar essa transversalidade

 

Não é possível abordar as questões de meio ambiente, como a da água, dos solos ou da energia, da mesma forma como são tratadas as questões de saúde no âmbito da Organização Mundial de Saúde ou as questões de educação no âmbito da Unesco. O meio ambiente não é uma questão em si. Não pode ser tratado, por exemplo, independentemente das questões econômicas.

 

Aliás, é por isso que a gestão mundial do meio ambiente foi deslocada da Unep para o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional ou, ainda, a Organização Mundial do Comércio, pois somente estas instituições, construídas fora da ONU, têm uma capacidade efetiva de ação. Assim, a Organização Mundial do Comércio dispõe de uma câmara de solução de conflitos. É um espaço de negociação e um meio de sanção.

 

Não dispomos de meios de ação equivalentes no âmbito do meio ambiente. Assim, vários países assinaram o protocolo de Kyoto. Alguns não respeitaram seus compromissos. O que fazemos? O que podemos fazer? Nada. Negociamos o próximo acordo.

 

Se quisermos ser eficazes, precisamos reintegrar as questões ambientais aí compreendidas no centro dos espaços de negociação sobre a economia, não para submeter o meio ambiente às regras do mercado, como pensam ou gostariam alguns, mas, ao contrário, para transformar as próprias regras do comércio internacional. É preciso ocupar esses locais tanto no plano intelectual quanto no plano institucional.

 

Com frequência, vejo os movimentos militantes afirmando que a Organização Mundial do Comércio é, por natureza, dedicada a servir ao “grande capital”. Creio que se confunde uma situação histórica dada a própria natureza da instituição. Não confundamos o que uma instituição é num determinado momento com o que ela poderia se tornar. A Organização Mundial do Comércio, no final do século 20, substituiu o GATT. O GATT era um tratado dedicado unicamente ao livre-comércio. A Organização Mundial do Comércio tem uma vocação muito mais ampla: organizar o sistema econômico mundial.

 

Essa criação coincidiu com o período que se seguiu à derrocada dos países comunistas, e a Organização Mundial do Comércio foi influenciada pelo furor neoliberal que se seguiu, quando se pensou que o livre mercado tinha resposta para tudo. Mas isso se deve ao período, não à própria natureza da instituição.

 

Tomo três exemplos. O primeiro é o da propriedade intelectual. A Organização Mundial do Comércio, até agora, tem sido a defensora da propriedade intelectual, considerada como uma mercadoria da mesma maneira que os automóveis, o trigo ou os computadores. Ora, a particularidade do conhecimento e dos saberes é que eles são bens que se multiplicam à medida que são compartilhados.

 

Não podem, fundamentalmente, depender do livre mercado, e nada impede que novas regras de uso sejam negociadas no âmbito da OMC, pois os direitos de propriedade intelectual, que consistem em tornar raro o que é abundante por natureza, não sustentavelmente legítimos.

 

Outro exemplo, a água e os solos. Que regime de governança adotar para eles? Com muita frequência, vejo os debates se encerrarem num quadro dogmático, entre aqueles que os consideram um bem público e aqueles que os consideram um bem de mercado como outro qualquer. Mas, para além dos efeitos de retórica, em que medida esses confrontos dogmáticos fazem a questão da água avançar? Eles não fazem, porque a água é um pouco dos dois ao mesmo tempo. A água é distribuída entre bilhões de usuários e para bilhões de usos. Ela é dividida ao ser partilhada. Sua gestão e sua reciclagem são caras.

 

Vista sob esse ângulo, a questão do financiamento do sistema e das modalidades de regulação da sua distribuição surge inevitavelmente, e não basta afirmar que se trata de um bem público para resolver o problema. Mas é também um bem em quantidade finita. Dom da natureza, ela também diz respeito, necessariamente, a um princípio de justiça. O desafio é, portanto, conceber regimes de governança adaptados à natureza particular desse bem, em vez de querer enquadrá-lo à força em uma divisão a priori.

 

4. As regras atuais de direito internacional no âmbito da ONU só se aplicam aos Estados, enquanto os princípios de responsabilidade devem ser aplicados a todos os atores

 

Lembremos que o sistema das Nações Unidas visa regular as relações entre os Estados, e não a conduta dos diferentes atores. Está aí o desafio de uma reflexão sobre a responsabilidade e a adoção de uma declaração universal sobre as responsabilidades humanas em escala internacional.

 

O princípio de responsabilidade deve ser oponível não apenas aos Estados, mas também a todos os atores e, em particular, aos grandes atores econômicos – os grandes bancos, as empresas transnacionais –, cujo impacto é mundial e que não podem depender somente da regulação estabelecida pelos Estados.

 

Se nos fecharmos numa autoridade mundial do meio ambiente que só faça regular as relações entre Estados, passaremos ao lado do problema. Vimos isso durante a crise financeira: as regulações bancárias eram nacionais, supostamente aplicáveis a atores internacionais que têm maior facilidade para escapar a essas regulações nacionais. Se quisermos gerir os problemas globais de meio ambiente, precisamos produzir um direito internacional que se aplique a todos os atores.

 

5. Só podemos reforçar seriamente a governança mundial se ela se tornar mais legítima aos olhos de toda a população

 

Hoje, a governança mundial deve enfrentar uma contradição: de um lado, sua eficácia é notoriamente insuficiente em relação às interdependências que precisam ser administradas; de outro, a governança que existe é considerada, por vastos setores da população, não legítima, não democrática e não eficaz. A partir daí, qualquer tentativa de reforçá-la esbarra em profundas reticências.

 

Para superar essa contradição, é preciso retomar o problema com o enfoque correto. Para tornar aceitável uma verdadeira regulação das questões mundiais, é preciso, primeiramente, favorecer, na emergência de uma comunidade mundial, uma tomada de consciência no sentido de que os nossos destinos estão indissoluvelmente ligados lá onde, no momento, vemos sobretudo contradições entre interesses nacionais.

 

 

 

 

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