- InformaçãoRio+20 oferece a oportunidade produzir novas propostas para conceber e organizar a transição até sociedades sustentáveis. Esta rubrica tentará agrupá-las sistematicamente a medida dos avanços do processo.
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22 Janeiro 2012
Território: as rupturas necessárias para a transição
Detalhes da proposta
ContextoTambém disponível em English, Français, Español
Propostas do coletivo francês para a Rio+20 e para o Fórum Social Temático 2012 que ocorrerá em Porto Alegre.
Atenção: o texto a seguir agrupa, de maneira sintética, várias propostas relativas às possibilidades de “ruptura” do sistema e não às múltiplas melhorias que podem ser feitas nele. Este texto faz parte de uma série de quatro documentos, cada um relativo a um dos quatro temas a serem tratados no Fórum Social Temático 2012: ética, território, governança e transição da economia para as sociedades sustentáveis.
Durante a apresentação de cada tópico, a análise retomará cada um dos quatro temas abordados nos demais documentos da série. Por exemplo: em todos os textos, o cruzamento território-economia se encontra nos mesmos termos tanto no texto “Economia” quanto no texto “Território”, possibilitando a leitura separada de cada um dos quatro textos.
Propostas e resumos
A. A Questão dos Territórios
1. O território: um emaranhado de relações e fluxos em um sistema mundializado
O território é abertamente convocado a exercer um papel decisivo tanto na concepção quanto na condução da transição necessária. Qualquer que seja o assunto percebe-se que são as cidades e as regiões os melhores níveis para iniciá-la de maneira eficaz. Contudo, também podemos perceber que os territórios não estão equipados, nem conceitualmente, nem institucionalmente, para assumir estas novas responsabilidades. Enquanto comunidade humana, o território é um dos atores do futuro, mas ele não está organizado como ator, o que o faz ser comumente confundido com as comunidades políticas que ele acolhe. Frequentemente, o território é meramente definido como um espaço físico delimitado por fronteiras e administrado pelas coletividades territoriais sub-nacionais. Porém, na realidade, um território é algo muito além: ele é um forte e denso emaranhado de relações entre atores internos e externos, um lugar de intersecção de múltiplos fluxos de materiais, de informações, de energia e de pessoas. Enfatizar a necessidade de definir e empoderar o ator território de maneira alguma significa voltar aos tempos antigos, onde cada território viva mais ou menos em autarquia. Pelo contrário, hoje em dia, cada território é parte fundamental de um sistema mundializado. Reconhecer o importante papel dos territórios na transição implica na criação de novas capacidades de gestão e na valorização destes fluxos que atravessam os territórios.
B. Território e Governança
O território é o nível privilegiado de governança, pois é neste nível que os diferentes problemas enfrentados por uma sociedade são mais fáceis de serem solucionados em conjunto, além de possuírem uma população concreta e facilmente identificável. Ao mesmo tempo, os Estados e sua tradição administrativa segmentada são pouco hábeis no que tange a administração de suas relações. No que diz respeito à transição para as sociedades sustentáveis, os Estados acabam ficando mais do lado do problema que do lado da solução. Portanto, o progresso significativo da governança ocorrerá apenas através dos territórios, das regiões do mundo ou da governança mundial. Além disso, nos lugares onde a governança estatal concebia sistemas em forma de “bonecas russas”, isto é, extremamente hierarquizados, os territórios aprenderam a organizar e desenvolver uma transição do nível local ao nível mundial através de “redes”, o que corresponde muito mais às novas realidades globais. Contudo, ainda estamos longe de valorizar todas as potencialidades dos territórios a ponto de reformular a abordagem da governança. Frequentemente, os territórios permanecem marcados por um sentimento de inferioridade com relação aos Estados, principalmente em meio ao cenário internacional. O resultado é a preocupação exagerada das redes em reivindicar um acento em alguma instância da ONU, ao invés de afirmar e assumir suas responsabilidades. A Rio+20 deve ser vista justamente como a oportunidade oferecida às regiões e cidades, conscientes de seu papel na grande transição, em afirmar seus lugares no sistema e em apresentar suas propostas e compromissos ao resto dos atores.
1. O território: espaço privilegiado para a implementação de uma nova consciência sobre a governança global
O objetivo final não é mais reivindicar um lugar ao lado “dos grandes”, mas sim de mostrar concretamente que o território é o espaço por excelência de desenvolvimento de uma nova consciência sobre a governança. Isto pressupõe territórios decididos a tomar a liderança intelectual e política, pressupõe a aplicação dos dois mapas de orientação para a governança e pressupõe mostrar o progresso que podemos alcançar. Esse processo abarca tanto melhorias conjunturais úteis, porém marginas (como é a maioria dos casos atuais), quanto por transformações estruturais, que devem ser negociadas com os Estados e a comunidade internacional, a fim de encontrar os meios de colocá-las em prática.
2. Território e pedagogia cidadã
O fato de que foram as cidades e regiões que tomaram a dianteira no que diz respeito à democracia participativa não é surpreendente. Nestas regiões, as interações entre os membros da comunidade são concretas, mesmo nas grandes cidades. É, portanto, neste nível que podemos aprender melhor os novos termos e métodos da cidadania.
3. Território e governança em múltiplos níveis
Hoje em dia, são raros os casos onde as cidades são formadas por apenas uma coletividade local. No caso das regiões, elas são quase sempre demasiado vastas para cuidarem de maneira eficaz de seus problemas locais. A cooperação local de atores de classes idênticas ou diferentes se torna, então, a regra. Portanto, assim como as relações locais e as relações globais, os territórios também devem ser vistos como o primeiro campo de experimentação e de aplicação do princípio de subsidio ativo.
C. Território e Economia
1. Transformar os territórios e as cidades nos principais atores da Œconomia
Tal perspectiva é extremamente nova e pressupõe novos conceitos e novas instituições, com destaque para a criação de agências Œconômicas territoriais capazes de dotar os territórios e as cidades de meios para entenderem o funcionamento de seu metabolismo e para organizar e gerar os diferentes fluxos que lhe atravessam.
2. Apropriar-se das escolhas econômicas em nível local
Em todos os níveis, do local ao mundial, a escolha coletiva por um certo padrão de vida e de consumo é uma dimensão essencialmente democrática. Não se trata de retornar a uma economia planificada, que fracassou no mundo inteiro, mas de promover um debate coletivo em cada território. Por exemplo, se queremos criar sociedades sustentáveis, é preciso substituir sempre que possível os bens materiais por serviços. Atualmente, os infinitos objetos e máquinas que povoam nosso cotidiano moderno e nem sempre trazem melhorias no nosso bem-estar são incessantemente descartados e substituídos por outros bens similares, enquanto poderiam ser substituídos por serviços mais eficientes, limpos e realmente indispensáveis. Isto, contudo, não é possível de por em prática a partir de decisões individuais. É preciso dar aos consumidores previsões de consumo e, ao mesmo tempo, impor aos fabricantes normas de compatibilidade entre matérias-primas que permitam uma atualização fácil e rápida do produto. Tudo isso só é possível através de escolhas coletivas. Algumas normas, como aquelas referentes aos produtos industriais, devem ser adotadas em nível mundial, enquanto que outras possuem maior significado em nível local.
3. A Economia Social e Solidária está enraizada nos territórios
Em um mercado mundial ou nacional, em sistema de concorrência clássica, a experiência mostra que, no caso dos bancos ou das firmas de seguro, por exemplo, as empresas de economia social não se comportam tão distintamente das outras empresas tradicionais.
É no nível local que a economia social e solidária contribui melhor para a elaboração permanente de novas respostas aos problemas emergentes: este processo de aprendizagem múltipla, que oferece diversas respostas para o mesmo problema, realizado por uma comunidade, é o meio mais seguro de aumentar o capital imaterial da sociedade, bem como sua capacidade de reagir e de tomar iniciativa em qualquer circunstância.
A economia social e solidária, através da mobilização local de recursos na forma de capital, de inteligência e de trabalho, da combinação entre bens e serviços comercializáveis ou não e da apropriação de objetivos econômicos, sociais e ambientais, constitui um ramo essencial da Œconomia e um dos melhores meios de inseri-la nos territórios.
4. O território: nível fundamental para a gestão de bens comuns
Em primeiro lugar, é no nível local que os regimes de governança correspondentes às diferentes categorias de bens e serviços devem ser estabelecidos. É evidente que a proteção dos bens que são destruídos quando partilhados (os ecossistemas) deve ser feita através de uma ação conjunta entre população e autoridades públicas. No caso de ecossistemas que beneficiam uma comunidade maior que o território em questão, é preciso promover negociações que garantam a manutenção dos bens comuns por tal comunidade.
No que se refere aos recursos naturais, como a água e a energia fóssil, é também no nível local que é preciso definir as cotas de consumo, os modos de distribuição de cotas entre as atividades e as famílias e que se deve organizar o sistema elementar de troca de cotas.
5. O território como espaço de organização de uma Œconomia descentralizada através do uso generalizado de moedas complementares
Devemos rejeitar a oposição entre as economias fechadas, voltadas para si mesmas, apresentadas como um retorno ilusório a um passado glorioso, e um mercado único global, na qual vemos que, em última análise, resultaria na incapacidade de conectar localmente a ociosidade, a criatividade não utilizada e as necessidades da população.
Dado o atual estado de interdependência global, nenhuma economia local ou nacional pode se fechar em si mesma. Contudo, o mercado mundial revelou sua incapacidade de trazer respostas rápidas e eficazes às exigências da coesão social e da proteção do meio-ambiente de forma global. Como em todas as outras áreas da governança, o que se mostra relevante é saber articular diferentes níveis de produção e de troca, do local ao mundial.
A introdução da diversidade de moedas (criação de uma moeda e construção de uma comunidade caminham sempre juntas) permite que cada território estimule as cadeias econômicas curtas, as combinações de atividades remuneradas e não remuneradas, os termos de equivalência entre tempo e trabalho, etc. Reinventadas no século XIX para fazer frente às crises (já que a pluralidade de moedas era a regra nos tempos antigos), desenvolvidas em diferentes níveis (na prática, muitos países usavam moedas diferentes para trocas internas e trocas externas), beneficiando-se de todas as facilidades atuais oferecidas pela informática e pela internet, estas moedas locais e regionais, ou mesmo próprias de uma comunidade profissional específica (como o Wir das pequenas e médias empresas suíças), são uma opção capaz de ser adotada em diferentes territórios do planeta de forma generalizada.
D. Território e Ética
O princípio de responsabilidade está presente em todas as sociedades. A declaração de uma carta de responsabilidades universais pode reconhecer o princípio ético universal em cada comunidade por meio da atualização da natureza do contrato social que vincula esses diferentes membros.
1. A elaboração de Cartas territoriais de responsabilidade
Na maioria das cidades do mundo, coexistem populações de origens diversas, tanto étnicas quanto religiosas, resultando em uma grande mistura de povos. As comunidades atuais não podem mais querer buscar o fundamento de sua coesão em uma memória histórica comum, no compartilhamento de valores e mitos, etc. como acontecia nas sociedades passadas. Daí a importância de uma profunda revisão da vida em comum das populações, que pode ser feita através da elaboração coletiva e da adoção de uma carta territorial de responsabilidades que defina direitos e responsabilidades de cada comunidade em relação às outras.
2. A educação: um caso particularmente interessante para a elaboração de cartas territoriais de responsabilidade
Durante a III Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, ocorrida em Brasília em 2010, que reuniu 53 delegações nacionais de jovens de 12 a 15 anos, foi elaborada e adotada uma Carta de Responsabilidades para o Enfrentamento das Mudanças Ambientais Globais. Sua mensagem principal: “nós cuidaremos do planeta”. Isso foi uma demonstração brilhante da capacidade de um grupo de pessoas sem poder formal em afirmar em alto e bom tom sua própria responsabilidade.
Ao mesmo tempo, porém, observa-se a necessidade de uma profunda revisão nos sistemas educacionais, uma vez que a segmentação das disciplinas não prepara os jovens para viverem em um mundo complexo, muito menos para geri-lo. Os territórios são, portanto, os espaços educativos essenciais, pois é neste nível em que todas as dimensões da sociedade se encontram.
Além disso, os jovens estão extremamente limitados para cumprir suas responsabilidades, pois necessitam de uma formação específica para exercê-la e dependem do apoio das instituições, sejam elas educativas ou políticas. Daí a idéia de reformular a educação nas bases de um verdadeiro contrato social tripartite entre as coletividades territoriais, os sistemas de ensino e os jovens.