- InformaçãoRio+20 oferece a oportunidade produzir novas propostas para conceber e organizar a transição até sociedades sustentáveis. Esta rubrica tentará agrupá-las sistematicamente a medida dos avanços do processo.
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02 Abril 2012
Erradicação da extrema pobreza, condição para sustentabilidade
Detalhes da proposta
ContextoTambém disponível em English, Français, Español
“Quando você se levanta de manhã sem saber para onde ir, sem ter nada para dar de comer a seus filhos, isto é violência. Quando você é forçado a lutar para defender o pouco que possui, isto é violência. Quando a cada dia você é obrigado a baixar a cabeça, a fechar os olhos, a não falar isto é violência » (Haiti, 2009).
Esta é uma realidade enfrentada por pessoas vivendo em extrema pobreza, que ocorre quando a falta de meios materiais para satisfazer necessidades básicas é imposta e reforçada por uma profunda exclusão e negação de direitos levando ao não reconhecimento da dignidade humana: « A falta de seguranças básicas leva à extrema pobreza quando afeta simultaneamente diferentes aspectos da vida das pessoas, quando é prolongada e quando compromete severamente as possibilidades das pessoas em reconquistar seus direitos e de reassumir suas responsabilidades num futuro próximo» (Relatório da perita independente em direitos humanos e extrema pobreza ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, 2010.)
A Agenda 21 e o plano de implementação de Joanesburgo destacam a erradicação da pobreza como um requisito para o desenvolvimento sustentável. No entanto, apesar do progresso de alguns países nas últimas décadas, os níveis de pobreza continuam altos. De acordo com o Índice de Pobreza Multidimensional do PNUD, 1.75 bilhões de pessoas experimentaram privações agudas em saúde, educação e padrão de vida em 2010 (PNUD, Relatório de Desenvolvimento Humano, 2010). Mesmo em países “ricos”, o crescimento econômico não acabou com a pobreza: cerca de 1 entre cada 7 pessoas estão em situação de vulnerabilidade na União Europeia e nos Estados Unidos.
Propostas e resumos
Pilares éticos: uma sociedade fundamentada na igual dignidade de cada um e de todos
« Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com um espírito de fraternidade.» (Artigo I. Declaração Universal dos Direitos Humanos). As condições de vida dos mais pobres nos mostra como todos os direitos são interligados e indivisíveis, e que sua realização está baseada no reconhecimento da igual dignidade de cada pessoa. Isto significa não somente ter acesso aos direitos, mas a real possibilidade de cada um de ter uma participação ativa na sociedade. Ser igual em dignidade quer dizer que não somente você está apto a receber mas também que possui uma contribuição importante.
« Vimos uma família inteira se afogando na água. Uma água misturada com o esgoto. Estas famílias vivem nesta poluição; cozinham nessa água; as crianças, suas escolas estão inundadas, os centros de saúde estão inundados, os mercados estão inundados, não existe saída, toda a vida do bairro está ameaçada» (Militante ATD Quarto Mundo Senegal, 2011).
Além de serem excluídos dos benefícios do modelo de produção e consumo que tem um impacto altamente destrutivo sobre o meio ambiente, os mais pobres são obrigados a suportar a carga mais pesada da degradação ambiental. Trabalhando e vivendo nas condições mais degradantes e perigosas, expostos a contaminação do ar, do solo e da água, deslizamentos de terra, enchentes e secas, sendo empurrados de um lado pra outro, sem seguranças mínimas em termos de moradia, trabalho, saúde e educação. Ainda assim, não são vítimas passivas. Estão na linha de frente no enfrentamento das crises ambientais, construindo sua resistência nas circunstâncias mais improváveis e com os recursos mais escassos. Mas, com o conhecimento e a experiência de quem vem enfrentando situações extremas por gerações. Infelizmente, este conhecimento raramente é tomado em conta quando se trata de enfrentar os desafios enfrentados pela sociedade como um todo. O não reconhecimento de que essas pessoas tem uma contribuição importante para dar é a violência maior sofrida por aqueles que vivem em situação de extrema pobreza.
« O pior de tudo é saber que você não conta para nada, chegando ao ponto em que até o seu sofrimento é ignorado» Joseph Wresinski.
Para que indivíduos e famílias possam se libertar da miséria, eles precisam poder mobilizar os laços fundamentais que permitem o acesso aos direitos: vínculos familiares e comunitários, de participação na vida produtiva e de cidadania. Apoiar e fortalecer esses laços deveria ser uma prioridade para qualquer programa de erradicação da miséria. A importância da comunidade para resistir às adversidades, é claramente percebido. Mas esses laços estão constantemente ameaçados pela insegurança e pobreza que afetam inclusive as relações entre pais e filhos.
Em muitos países ao redor do mundo, pais presos no círculo de miséria são separados dos seus filhos, muitas vezes colocados sob os cuidados de instituições, porque os pais não conseguem satisfazer as necessidades básicas de alimentação, moradia, saúde e educação. Esse tipo de separação é extremamente violenta, fazendo com que os pais se sintam feridos e culpados por não poderem assumir suas responsabilidades, e para as crianças, cuja necessidade maior é sentir o amor dos seus pais. Estas separações são um trauma para pais e filhos e minam seu desenvolvimento.
Paradoxalmente, políticos e autoridades, estão apenas começando a entender que programas de erradicação da miséria precisam reconhecer e apoiar os esforços que as famílias já fazem. Construir sustentabilidade significa tomar em conta as diferentes relações entre pessoas e o meio em que vivemos, respeitando seus saberes e experiências, entendendo a raiz dos problemas enfrentados e produzindo as condições necessárias para a ação coletiva.
Nesse sentido, alguns princípios básico incluem :
- Acesso a direitos e fortalecimento dos laços fundamentais caminham juntos.
- Respeito aos sistemas de conhecimento marginalizados, incluindo o de pessoas vivendo em pobreza extrema. Inventar um modelo de sustentabilidade implica tirar o melhor de valores tradicionais praticados por diferentes povos de leste a oeste.
- Transformação pessoal como a base para mudança social – isso inclui o acesso aos sistemas culturais de formação pessoal, mas também a necessidade de aprender a escutar e respeitar a voz dos excluídos.
- Direito à participação nos diferentes níveis da vida social e política como condição para sustentabilidade.
- A ordem legal internacional, tem que estar subordinada ao direito supremo, que é o respeito à igual dignidade de todos os seres humanos.
Uma economia sustentável voltada para a satisfação das necessidades básicas
« Eu vi uma mãe completamente abandonada, sem forças para seguir adiante. Com lágrimas nos olhos ela falou: Não tenho nada para dar de comer aos meus filhos. Não posso mais trabalhar, eles nos proibiram de tirar areia do rio» ATD Quarto Mundo Honduras. Em 2004, um governo municipal em Honduras, proibiu as pessoas de tirarem areia do rio, no intuito de proteger o leito do mesmo. Talvez uma medida necessária em termos ambientais mas que não tomou em conta que para muitas famílias esta era a única fonte de renda. Programas para proteger o planeta precisam ser pensados e implementados com pessoas vivendo em extrema pobreza e não contra elas.
Os mais pobres são os mais afetados pelas consequências do aquecimento global, do aumento dos preços dos alimentos e pelas negociações internacionais, e são os que menos possuem poder de influência ou de controle sobre as políticas globais. Assim são mais uma vez afetadas pelas soluções propostas pelo próprio sistema que gerou os problemas, como as populações, na África e na América Latina, expulsas de suas terras ancestrais para dar lugar a projetos de reflorestamento que “vendem” seus créditos de carbono para que empresas transnacionais continuem poluindo.
Ao esgotar os recursos naturais o sistema maximiza desigualdades e gera exclusão social. Está cada vez mais claro que o crescimento econômico é um desastre. A transição do modelo econômico deve nos levar a uma economia mais justa, que não esteja submetida ao poder financeiro e à especulação. É óbvio que a desregulação, que muitos governos apoiaram nas últimas décadas, tem que ser revertida. Em todo o planeta, os mais pobres são obrigados a vender sua força de trabalho pelos salários mais baixos e em condições mais difíceis em atividades rejeitadas pelos demais e sem nenhuma estabilidade. Uma nova economia têm que ser construída a partir dos seus esforços provendo o acesso ao trabalho decente e à proteção social.
Já é hora de distinguir entre atividades que devem crescer porque atendem às necessidades básicas de todos, fomentando a solidariedade e o equilíbrio do planeta, e outras que devem diminuir, pois atendem exclusivamente a interesses privados consumindo recursos e pessoas de forma predatória. Às primeiras, como a agricultura familiar orgânica devem ser apoiadas por governos e agências, enquanto que as últimas precisam ser reguladas e tributadas. Estas são nossas algumas das nossas propostas:
- Uma abordagem de baixo para cima, fortalecendo iniciativas locais aonde os meios econômicos são usados para promover o bem estar das pessoas em suas comunidades.
- Implantar um piso universal de proteção social que inclua o acesso livre à saúde e à educação, respeitando as característica culturais de cada povo; um sistema de renda mínima como proteção contra a pobreza extrema.
- Incluir a promoção do trabalho decente em estratégias de desenvolvimento.
- Direito a um meio ambiente seguro– A miséria é violência e se manifesta na vida dos mais pobres sob diferentes formas, incluindo a violência ambiental. A Justiça ambiental é um elemento fundamental para a construção da paz.
- Estados e agências devem adotar medidas necessárias para avaliar os efeitos de políticas de desenvolvimento sustentável sobre os mais pobres.
- Incluir a proteção para a produção de alimentos de forma sustentável e garantias de direitos humanos como parte de acordos de comércio.
Governança mundial e participação
“Temos que nos assegurar que eles não vão usar a pobreza das pessoas, que eles não vão nos manipular. Não somos apenas pessoas a quem deve se dar algo, mas pessoas a quem se deve perguntar a opinião” Quarto Mundo Guatemala.
A maneira como organizamos nossas vidas e tomamos decisões é vital para construir uma sociedade efetivamente baseada na igual dignidade de todos os seres humanos, em harmonia com a natureza. De nossas famílias e comunidades, até nossas cidades e países, a maneira como as decisões são tomadas e implementadas, tem um impacto direto em nossas vidas. Nesses diferentes níveis, os que enfrentam maiores dificuldades na vida cotidiana não têm voz. A supremacia de um determinado tipo de conhecimento, é também um instrumento de dominação. Para uma sociedade democrática é necessário acabar com a hierarquia entre os diferentes tipos de saber.
Devem ser criadas as condições necessárias para o diálogo verdadeiro entre os diferentes saberes e práticas na produção do conhecimento útil para a construção de uma sociedade justa e sustentável.
Algumas propostas:
- Criar as condições necessárias para o encontro de saberes entre pesquisadores, autoridades, profissionais, militantes e pessoas com experiência pessoal de extrema pobreza.
- Os movimentos sociais, sindicatos e ONGs devem fazer o exercício constante de repensar o funcionamento interno para permitir a participação de todos eliminando eventuais obstáculos.
- Governos devem criar um ambiente adequado para o fomento e promoção da capacidade de indivíduos, organizações de base e comunidades para trabalhar por um meio ambiente equilibrado e no combate à extrema pobreza.
- Adoção e implementação dos Princípios Orientadores sobre Extrema Pobreza e Direitos Humanos. As Nações Unidas vêm desenvolvendo um conjunto de princípios referente à realização dos direitos humanos para todos, incluindo os mais pobres. Este trabalho envolveu processos de consulta inclusive com a participação de pessoas vivendo em situação de pobreza extrema, em diferentes países. O texto final dos princípios orientadores será apresentado ao conselho em setembro 2012. Sua adoção e posterior implementação seriam um instrumento essencial para garantir o respeito aos direitos de todos em qualquer política de desenvolvimento.
- Nenhuma resolução deve ser adotada pelo sistema das Nações Unidas sem tomar em conta como pessoas afetadas pela miséria avaliam os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e suas ideias sobre o caminho a seguir. O desenvolvimento de um quadro internacional para o desenvolvimento sustentável, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, deve incluir a participação de todos e prioritariamente de pessoas vivendo em situação de pobreza extrema. Incorporar a meta de erradicar a miséria em constituições nacionais e em tratados internacionais.
O Caderno de propostas : « Extrema pobreza e governança mundial » pode ser baixado, em espanhol, inglês e francês no site : www.atd-fourthworld.org/-Research-Institute-.html e nessa pagina (veja mais acima).
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