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Rio+20: oportunidade para agir, mobilizar, organizar e resistir Rio+20: oportunidade para agir, mobilizar, organizar e resistir

 

Por Rubens Harry Born, Coordenador Executivo Adjunto do Vitae Civilis.

 

“Jamais em toda a história da civilização, a humanidade se defrontou com desafios de igual magnitude como os que hoje se apresentam”. Com essa frase, o livro/manifesto do FBOMS – Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento – apresentava análises e propostas, construídas de forma participativa para os debates que envolveram a realização da Rio-92, também denominada de Cúpula da Terra (ou Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Meio Ambiente). As análises desse manifesto, lamentavelmente, são atuais, como retrata o seu seguinte trecho: “o modelo de desenvolvimento hoje praticado na maior parte do mundo apóia-se sobre o pressuposto fundamental de que a natureza é um objeto a ser dominado,apropriado, transformado, comercializado, consumido e, finalmente, descartado”.

 

O debate sobre objetivos, modelos e formas do desenvolvimento não é novo. Ao longo da história humana recente, produziram-se, como reflexo parcial desses debates, a Declaração da ONU sobre Direitos Humanos (1948) e diversos compromissos internacionais, nacionais e setoriais, inclusive em todas as conferências da ONU que ocorreram após a Rio-92 para tratar de demografia, segurança alimentar, cidades,mulheres, pobreza e desenvolvimento social.

 

Que diferenças no campo da implementação das promessas e dos direitos, por meio de ações efetivas e transformadoras do modelo de desenvolvimento, poderá gerar a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável em 2012, a Rio+20,cujo anunciado propósito é renovar compromissos políticos e fomentar arranjos institucionais globais adequados para a transformação da economia com vistas à superação da pobreza? Quem são os atores fundamentais na transição e consolidação deformas de convivência e bem estar humano, que lidem também com os limites ecológicos do planeta, face à grave crise que se evidencia com os impactos do aquecimento global e das mudanças do clima? Como ampliar oportunidades de empregos dignos e saudáveis em processos produtivos ambientalmente apropriados dos diversos setores econômicos, sem perder de vista a valorização de iniciativas comunitárias, locais e ou integradas.

 

Grandes conferências da ONU podem ter resultado de eficácia baixa ou de lento cumprimento, quando se consideram também as políticas domésticas, a assimetria de poder dos interesses em conflito, a fragilidade de mecanismos institucionais, de caráter nacional ou internacional, entre outros. Certo também que o contexto atual global não inspira perspectivas de decisões e acordos relevantes na Rio+20. Mas isso não nos permite condutas de ingênua tolerância e omissão.

 

O enfrentamento das crises financeira, ambiental e da pobreza requer rupturas com elementos sistêmicos subjacentes ao ideário desenvolvimentista e liberal que orientou o enfraquecimento dos Estados como meio de permitir maior presença global de conglomerados econômicos, por um lado, e a submissão de todos os aspectos da vida aos interesses comerciais e lucrativos, por outro. A gravidade da crise climática também aponta para a necessidade urgente de valorizar outras formas de se viabilizar energia, alimentos, mobilidade, habitação, saneamento, emprego. Já não é mais suficiente a concepção de reformas incrementais, em processos que com pequenas alterações graduais seriam capazes de, ao longo do tempo, provocar as mudanças substanciais. O passado não é mais a única referência; a nossa responsabilidade vincula-se com o futuro, mas sem olvidar a necessidade de superar as injustiças sociais, ambientais e políticas do presente.

 

Metas, meios e mobilização – Ora, se objetivos, razões e ações para o desenvolvimento sustentável já foram apontados nas anteriores conferências da ONU e, no caso do Brasil, nas conferências nacionais, na Agenda 21 brasileira, nos planos diretores participativos, etc, o que se faz urgente e necessário são metas mensuráveis e meios de implementá-las, mediante instrumentos políticos e financeiros, além de avaliar continuamente as ações e seus impactos e de acelerar a justa transição para novos padrões de consumo e produção. Precisamos de ações que tenham também caráter sistêmico e transformador.

 

A Rio+20 surge como mais um cenário no qual diversos atores exercitarão sua presença seja para mostrar a viabilidade de propostas pontuais ou de políticas públicas mais amplas para a sustentabilidade, ou para manter privilégios por meio de iniciativas“reformadoras” que embora geradoras de alguma eficiência ambiental por si só não promovem a transformação sistêmica do modelo de desenvolvimento. Governos e empresas devem ser pressionados pela sociedade, que enfim deve ter a capacidade de,por meio da democracia, controlar o rumo e a qualidade do desenvolvimento humano.

 

Para ter significado global e futuro, a Rio+20 deve lidar com os dilemas da dignidade da vida, no seu cotidiano, compreendidos em diferentes contextos e localidades do mundo. Em uma era de redes sociais e amplas possibilidades de comunicação, a sociedade poderá valer-se de ações locais e das praças públicas no Rio de Janeiro ou em qualquer outro vilarejo para dizer seu “basta”; reafirmar que precisamos “ir além das promessas”, que queremos ampliar o alcance e ter o respaldo de políticas públicas para as milhares iniciativas que comunidades, ONGs, sindicatos, universidades engendraram nessas últimas décadas para conciliar a conservação ambiental, a geração de renda e a inclusão social. Precisamos de ampla concertação social, de irmos além de nossa diversidade e criar os mecanismos de governança adequados, nas várias esferas, para zelar pela Vida e controlar a “economia e a política”. Funções para as quais se criaram diversas redes e alianças na sociedade, e a partir delas, com foco na Rio+20, o Comitê Facilitador da Sociedade Civil (www.rio2012.org.br).

 

Os 6 “R” – A estratégia de transformação do modelo de desenvolvimento requer combinar medidas e ações de reparação (de injustiça e degradação), bem com ordenação, ruptura e reconstrução de meios, tecnologias, critérios decisórios e arranjos institucionais, fazendo-se também a devida requalificação (educação para a cultura da sustentabilidade) das instituições e das pessoas, além da resistência às tentativas de perpetuação de um modelo degradante. Do ponto de vista mais tangível, penso que a Rio+20 deveria, para ser relevante, permitir uma concertação que promova avanços nas seguintes áreas:

 

  • Governança global do desenvolvimento sustentável: decisão política para mandato que permita obter até 2015 uma nova configuração de arranjos da ONU, inclusive mediante:(a) reestruturação do seu Conselho Econômico e Social, a fim de maior eficácia dos programas de combate à pobreza, promoção do bem-estar e superação da crise climática; (b) fortalecimento da governança ambiental, que inclui a valorização do PNUMA, e a adoção de mecanismos de sanções às empresas e governos que não cumprirem padrões e normas multilaterais apropriadas; (c) a incorporação nos desenhos institucionais e procedimentos da ONU de mecanismos de participação efetiva de organizações da sociedade civil, superando meras consultas e diálogos, nas decisões internacionais, valendo-se das lições do modelo da OIT – Organização Internacional doTrabalho, entre outras. A Rio+20 deveria também apontar que condições de transparência e responsabilidade de instituições financeiras multilaterais, junto à ONU ou junto aos governos e às comunidades locais, deveriam prevalecer no marco da transição para a sustentabilidade socioambiental da nova economia.
  • Aprovação, para entrar em vigência até 2015, de taxa sobre transações no mercado financeiro internacional, e a alocação de tais recursos, sob um sistema de governança multilateral e transparente não exclusivamente de governos, para programas públicos e ações voltadas ao enfrentamento das crises climática e da pobreza, bem como para a segurança alimentar, habitacional e sanitária das populações mais vulneráveis. Simultaneamente, uma decisão de eliminação gradativa, em no máximo uma década, de subsídios aos combustíveis fósseis.
  • Ampliação dos mecanismos multilaterais da ONU, com a abertura de negociação e conclusão, antes de 2015, de acordo(s) legalmente vinculante(s) e meio(s) decumprimento: (a) do direito à informação e acesso à Justiça, conforme Princípio da Declaração do Rio de Janeiro-92; (b) para a internalização do princípio da precaução ambiental, especialmente, nos meios comerciais e financeiros internacionais e locais; (c) normas legalmente vinculantes de responsabilidade social e transparência dascorporações e (d) para a adoção de parâmetros e indicadores de bem estar e de sustentabilidade, superando os atualmente disponíveis (IDH, PIB, etc.).
  • Apoiar técnica e financeiramente organizações governamentais e da sociedade para aretomada do planejamento estratégico de médio e longo prazo, de tal forma que planos e programas governamentais e privados de curto prazo possam ser benéficos à transição para a sustentabilidade e para um mundo de baixa emissão de gases de efeito estufa. Isso requererá também a criação, em escala global, de sistema de referências e painel com a participação de cientistas (com base nas lições do modelo do IPCC, do Panorama Ambiental Global – GEO ou da Avaliação Ecossistêmica do Milênio), como órgão independente e em diálogo com instâncias da ONU, para as avaliações contínuas e permanentes quanto à consecução de metas de desenvolvimento sustentável, de integridade ambiental e de justiça social.
  • Criação de programas, entre 2012 e 2020, com metas para ampliar empregos decentes em atividades ambientalmente corretas em setores estratégicos para a segurança alimentar e hídrica, para habitações e mobilidade urbana menos poluentes, para a geração e uso de energias renováveis em bases sustentáveis, especialmente solare eólica. Incluem-se os programas de compras públicas sustentáveis e a indicação de setores e regiões prioritárias para a geração de oportunidades de empregos “verdes”.

 

No campo das iniciativas da sociedade civil, a Cúpula dos Povos e outros importantes eventos antes e durante a Rio+20 deveriam inspirar a articulação, a mobilização, a organização de iniciativas, em curso ou que venham a ser deflagradas, para a necessária e pacífica revolução: a da criação de sociedades sustentáveis. Fundamental também fomentar a solidariedade e a identificação de potenciais sinergias nesse diverso campo para ir além das ações já realizadas. Não partiremos do zero. Há um grande número de iniciativas que emergem da sociedade e que mobilizam grupos variados em torno de princípios da sustentabilidade socioambiental, da democracia e da cidadania. É preciso iluminar tais experiências, alavancá-las com políticas e instrumentos adequados, ganhar escala, e paralelamente fazer a transição daquelas atividades econômicas, institutos e tecnologias incompatíveis com sociedades sustentáveis.

 

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