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protocolo-de-kioto-pueblos-originarios_bis Por que a economia verde levaria a conferência e o planeta ao colapso?

 

(*) Com contribuições de Jean Pierre Leroy.

 

O Rio de Janeiro sediará em 2012, vinte anos depois da Eco 92, a conferência Rio+20 que terá dois temas em sua pauta: economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza e estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável. Ao longo das últimas duas décadas o mundo tem vivido um processo acelerado de deterioração: as crises sociais e ambientais se aprofundaram, o sistema de governança internacional entrou em crise de legitimidade, o sistema econômico-financeiro está muito perto de um colapso fulminante. A Rio+20 pode ser uma oportunidade estratégica de redefinição dos rumos da política internacional e, portanto, da economia; de tradução em novas diretrizes da nova correlação de forças que vem se desenhando no mundo; e de estabelecer uma nova agenda que tire o planeta da rota de crise e colapso. Infelizmente, porém, o relatório do PNUMA, que é um documento-chave da ONU na construção da agenda da conferência, propõe mais do mesmo ou, mais precisamente, propõe que o manto da economia verde seja usado para encobrir a falência do modelo de economia em curso e assim dar sobrevida a um sistema de exploração e injustiças.

 

O relatório do PNUMA “Rumo a uma Economia Verde – Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza – Síntese para Tomadores de Decisão” inicia propondo uma definição de economia verde que nos enche os olhos:

 

“O PNUMA define economia verde como uma que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica. Em outras palavras, uma economia verde pode ser considerada como tendo baixa emissão de carbono, é eficiente em seu uso de recursos e socialmente inclusiva. Em uma economia verde, o crescimento de renda e de emprego deve ser impulsionado por investimentos públicos e privados que reduzem as emissões de carbono e poluição e aumentam a eficiência energética e o uso de recursos, e previnem perdas de biodiversidade e serviços ecossistêmicos. Esses investimentos precisam ser gerados e apoiados por gastos públicos específicos, reformas políticas e mudanças na regulamentação. O caminho do desenvolvimento deve manter, aprimorar e, quando possível, reconstruir capital natural como um bem econômico crítico e como uma fonte de benefícios públicos, principalmente para a população carente cujo sustento e segurança dependem da natureza. (…) Talvez o mito mais difundido seja o de que há uma troca inevitável entre sustentabilidade ambiental e progresso econômico. Agora há evidência substancial de que o “esverdeamento” de economias não inibe a criação de riqueza ou oportunidades de emprego, e que há muitos setores verdes que apresentam oportunidades significativas de investimento e crescimento relacionado de riqueza e empregos. Rumo a uma Economia Verde – o principal produto da Iniciativa Economia Verde – demonstra que o esverdeamento das economias não é um empecilho ao crescimento, mas sim um novo mecanismo de crescimento; ou seja, uma rede geradora de trabalho digno, que também consiste em uma estratégia vital para a eliminação da pobreza persistente.”

 

Não há dúvida que o relatório tem o mérito de enfrentar o debate sobre as condições econômicas e financeiras para a transição à sustentabilidade, lidando com o necessário debate sobre a relação entre economia, finanças e sustentabilidade, terrenos que dificilmente se encontram – e mais do que isso, são frequentemente antagônicos – tanto nas negociações internacionais quanto na maioria das políticas domésticas.

 

No entanto, a premissa central que sustenta todo o documento deve ser objeto de questionamento: o PNUMA defende a necessidade de manutenção e até aceleração do crescimento econômico global, desde que 2% do PIB global sejam destinados à transição da economia marrom aos setores verdes, aplicando-se cerca de 1,3 trilhões de dólares por ano em dez setores estratégicos:

 

“Uma economia verde, com o passar do tempo, cresce mais rapidamente do que a economia marrom, enquanto mantém e restabelece o capital natural (…). Um cenário de investimento verde de 2% do PIB mundial proporciona um crescimento a longo prazo, entre 2011-2050, pelo menos tão elevado quanto as previsões mais otimistas do modelo das práticas atuais, ao mesmo tempo em que evita riscos consideráveis de desvantagens, tais como os efeitos da mudança climática, maior escassez de água, e a perda de serviços ecossistêmicos.”

 

Deve-se entender que 98% do PIB continuariam presos ao desenvolvimento atual, à economia marrom, financiando a economia verde? Quanto maior o crescimento dessa economia marrom, mais volumosos seriam os recursos para uma economia verde? Não há dúvida que esse plano levaria ao desastre. Está muito aquém das necessárias transformações da economia como um todo. Não são raros os intensos debates e críticas em curso sobre a ênfase a ser dada ao crescimento, ainda que esverdeado. Além disso, embora o relatório ponha ênfase na criação de empregos e combate a pobreza, não coloca a necessária luz sobre os aspectos distributivos, de enfrentamento das desigualdades, de combate à riqueza e do foco nos direitos e na justiça sócio-ambiental. O foco do relatório é no crescimento econômico verde, e não na distribuição e apropriação social com equidade e justiça.

 

Os problemas do relatório começam a piorar ainda mais quando são apresentadas as condições possibilitadoras para a transição a uma economia verde. Entre estas condições estão: “o estabelecimento de normas rígidas de regulamentação; a priorização de investimentos e gastos públicos em áreas que estimulem o esverdeamento de setores econômicos; a limitação de gastos em áreas que esgotem o capital natural; o uso de impostos e instrumentos que se baseiam no mercado para mudar a preferência do consumidor e promover o investimento verde e a inovação; o investimento em capacitação e treinamento; e o fortalecimento da governança internacional”.

 

O texto defende marcos regulatórios claros e transparentes visando criar um ambiente mais seguro e favorável ao mercado e aos investidores, de modo que os negócios possam funcionar com normas claras. Defende também que “Os contratos públicos sustentáveis podem contribuir para criar e fortalecer os mercados de bens e serviços sustentáveis.(…) Através do uso de práticas sustentáveis de compras públicas, os governos podem criar uma demanda a longo prazo por bens e serviços verdes. Esta situação envia sinais que permitem às empresas fazer investimentos de longo prazo em inovação, e aos produtores realizar economias de escala, reduzindo os custos. Por outro lado, isto pode levar à maior comercialização de produtos e serviços verdes, promovendo o consumo sustentável”. Em princípio isso poderia ser um bom caminho; o problema é que o relatório não entra no debate sobre o que são bens e serviços sustentáveis e verdes, como são seus sistemas de produção e de distribuição, quem são os atores econômicos que os produzem, quais são as condições sociais e de trabalho.

 

A adoção de instrumentos de mercado para promover a inovação e investimentos verdes é fortemente defendida, argumentando a favor de um sistema de pagamento de serviços ambientais e de REDD e REDD+ (inclusive com a defesa dos mecanismos de compensação de emissões de GEE entre países altamente emissores e países detentores de florestas) que, no entanto, continuam sendo objeto de intenso debate e disputa pela definição de seu conceito e escopo: “Os instrumentos baseados no mercado, tais como as licenças negociáveis, são ferramentas poderosas para a gestão da “invisibilidade econômica da natureza” e estão sendo cada vez mais usados para enfrentar uma série de questões ambientais. (…) Os mercados que instituem “pagamentos” para a prestação de serviços ecossistêmicos podem influenciar o uso da terra permitindo que os proprietários obtenham mais do valor destes serviços ambientais. Foi estimado que centenas de milhões de dólares são atualmente investidos no pagamento de planos de serviços ecossistêmicos (PSE) – tais como o sequestro de carbono, proteção à bacias hidrográficas, benefícios de biodiversidade e belezas naturais – que vão desde o nível local até os planos nacionais e até mesmo globais. Como a contribuição do desmatamento e a degradação da floresta para o efeito estufa tornou-se melhor compreendido, o potencial de criação de um plano internacional de PSE relacionado às florestas e carbono se tornaram prioridade nas negociações climáticas internacionais. O plano, denominado REDD e mais recentemente como REDD+, que agrega a conservação, gestão sustentável de florestas e a valorização das reservas de carbono da floresta à lista das atividades elegíveis, representa um plano de PSE de múltiplas camadas com transferências de financiamento entre os países industrializados e os países em desenvolvimento na troca pelas reduções de emissões, e novas transferências do plano nacional de proprietários rurais e comunidades florestais.”

 

As recomendações sobre governança internacional são muito questionáveis, sobretudo no que diz respeito ao sistema de comércio internacional, onde a defesa da conclusão da Rodada de Doha pode ser considerada como no mínimo ultrapassada: “As negociações atuais da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio oferecem a oportunidade de promover uma economia verde. Uma conclusão bem sucedida destas negociações poderia contribuir para a transição para uma economia verde. Por exemplo, as negociações estão atualmente centradas na eliminação dos subsídios à pesca, que muitas vezes contribuem diretamente para o excesso da pesca. Há outra oportunidade com relação às negociações objetivando a redução das barreiras tarifárias e não tarifárias sobre bens e serviços ambientais. Um estudo do Banco Mundial concluiu que a liberação comercial poderia resultar em um aumento de 7-13% nos volumes de comércio destas mercadorias. Finalmente, as negociações em andamento para liberar o comércio na agricultura esperam conduzir a uma redução nos subsídios agrícolas em alguns países desenvolvidos que devem estimular a produção agrícola mais eficiente e sustentável nos países em desenvolvimento. É essencial, no entanto, que os países em desenvolvimento sejam apoiados através da capacitação para explorar plenamente os ganhos potenciais proveitos da liberação do comércio, especialmente no contexto de uma transição para uma economia verde.”

 

A insistência em manter os atuais fluxos globais de liberalização do comércio e investimentos, ao invés da relocalização e do encurtamento dos circuitos entre produção, distribuição e consumo, faz desse argumento a cereja do bolo no conjunto de defesas pró-mercado e corporações: “O sistema de comércio internacional pode ter uma influência significativa sobre a atividade econômica verde, permitindo ou obstruindo o fluxo de bens, tecnologias e investimentos verdes. Se os recursos ambientais são cobrados devidamente a nível nacional, então o plano de comércio internacional permite que os países explorem sustentavelmente suas vantagens comparativas em recursos naturais que beneficiam tanto o país exportador como importador. As regiões com escassez de água, por exemplo, podem diminuir a pressão sobre o abastecimento local importando produtos de água das regiões com água abundante.”

 

O relatório conclui com um capítulo sobre financiamento que mais uma vez não trata da questão distributiva nem de novas diretrizes e prioridades de financiamento, focalizando nas fontes potenciais de captação para a transição: “Enquanto a escala de financiamento necessário para a transição à economia verde é substancial, esta pode ser mobilizada por uma política pública inteligente e mecanismos inovadores de financiamento. O rápido crescimento dos mercados de capitais, as orientações para o crescimento verde destes mercados, a evolução dos instrumentos dos mercados emergentes, tais como o financiamento e micro financiamento do carbono, e os fundos de estímulos verdes estabelecidos em resposta à desaceleração econômica dos últimos anos, estão abrindo espaço para o financiamento em larga escala do processo de transformação econômica verde mundial. (…) Serão necessários mecanismos financeiros adicionais para manter o capital natural mundial. Além do financiamento climático, o Programa REDD (Iniciativa da ONU para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) – uma iniciativa lançada em setembro de 2008 pelas organizações FAO, PNUD e PNUMA para dar apoio aos esforços nacionais para reduzir o desmatamento e a degradação das florestas e melhorar as reservas de carbono florestais – em conjunto com outros mecanismos da REDD+ podem fornecer um veículo de financiamento para guiar a transição para uma economia verde. As doações para a REDD+, incluindo o Programa REDD, REDD+Parceria, Mecanismo de Parceria de Carbono Florestal, o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês) e o Programa de Investimento Florestal (FIP, na sigla em inglês) entre outros, atualmente somam US$5 bilhões em 2012. Como parte de projetos-piloto em andamento do REDD+, há cada vez mais evidências de que tais “pagamentos por serviços ambientais” são muito promissores não somente para a regulamentação climática e os serviços de conservação da biodiversidade, mas também ampliam a escala de recursos para as comunidades que são as guardiãs a nível paisagístico. O Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF, na sigla em inglês) é outro importante veículo de financiamento para a economia verde que precisa ser escalonado e fortalecido. (…)Além desses mecanismos, as instituições financeiras de desenvolvimento a níveis internacional e nacional vão desempenhar um papel-chave no apoio à economia verde.”

 

Ao propor parâmetros de debate com tantos elementos de controvérsia, é claro que a economia verde tem encontrado fortes resistências por parte de conjuntos de países nas negociações rumo a Rio+20. Diversos países do Sul percebem as propostas de economia verde como potencial bloqueio ao desenvolvimento; os países do Norte hoje têm suas economias fortemente baseadas nos setores de serviços, já que transferiram suas indústrias sujas para os países do Sul, e portanto para o Norte seria mais fácil e muito mais barato fazer a transição. É um debate crucial a definição de quem pagará – e como – pela transição de processos produtivos sujos que o Norte instalou no Sul.

 

“O conceito de uma “economia verde” não substitui desenvolvimento sustentável, mas hoje em dia existe um crescente reconhecimento de que a realização da sustentabilidade se baseia quase que inteiramente na obtenção do modelo certo de economia”. Ao contrário do que afirma o controverso relatório-guia do PNUMA, o problema central a ser enfrentado pela conferência e pelo planeta não é sobre a substituição de uma economia marrom pela economia verde, quando são os mesmos atores os encarregados dessa substituição. É sobre se, antes da economia, haverá uma mudança na correlação de forças que faça possível que a política internacional e nos planos nacionais seja dirigida pelo imperativo dos direitos dos povos e pela justiça social e ambiental, e por um profundo debate societário sobre os caminhos do futuro, ao invés de continuar aprofundando a crise planetária para continuar enchendo os bolsos das corporações.

 

A financeirização da natureza e o crescimento verde não evitarão o colapso do planeta, que só reencontrará o equilíbrio através de múltiplas estratégias econômicas que libertem a humanidade da carga do lucro privado como fator de progresso, da primazia dos direitos territoriais dos povos, de políticas e fundos públicos com controle social, e de uma nova correlação de forças que democratize o sistema internacional, o liberte do seqüestro das corporações e o reoriente em favor da justiça social e ambiental.

 

 

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