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Caminho e descaminhos para uma biocivilizaçao Caminhos e Descaminhos para a Biocivilização

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Introdução

 

A crise, em que estamos mergulhados neste início do Século XXI, é uma experiência histórica do cotidiano, vivida e sentida mais do que pensada. Certeza mesmo só sobre sua profundidade e radicalidade. Por-se a refletir sobre ela é trilhar uma pista incerta, um caminho ainda por fazer. Mas tarefa urgente e necessária. A humanidade está diante do desafio de fazer opções fundamentais. A escolha pode significar ir em direção do irreversível em termos de destruição da vida e do Planeta Terra ou a reconstrução das bases e das relações entre seres humanos e destes com a biosfera capazes de alimentar um processo virtuoso, ainda possível, de sustentabilidade social, ambiental e ecológica.

 

Os diagnósticos são muitos e alarmantes. A cada dia, pelo rádio, pela televisão, pela internet, pelos jornais e revistas, surgem indícios de um modo de viver que está em crise. Temos violência e guerras de todos os tipos, intra e inter povos, algo intrínseco ao nosso modo de viver e se organizar como sociedades humanas nos dias de hoje. A destruição ambiental também tomou conta de nosso cotidiano. Talvez antes faltassem meios para viver a contemporaneidade destas destruições sociais e ambientais, que as novas tecnologias de informação e comunicação propiciam. O certo é que a gente é invadido por notícias diárias e pode sentir o clima e a natureza dando sinais de desregulação, com enchentes e secas extremas, vulcões ativos, tsunamis devastadores. Falar de desigualdade e exclusão social deixou de ser tabu, mas pouco ou nada fazemos para reverter tal quadro, convivemos com isto. Também já não nos espantamos com tantos ricaços à nossa volta, os tomamos como anormalidade normal, por assim dizer. Aqui e lá reagimos, mas a financeirização da vida é de tal ordem que só lamentamos porque não sabemos como enfrentar os dragões modernos, gestores do cassino global em que mundo foi transformado, máquina de sugar e concentrar dinheiro com a globalização neoliberal das últimas décadas. Temos muitas coisas em meio a muitas carências. A abundância de bens materiais de todo tipo, concentrada nas mãos de menos de 20% da população mundial, não consegue esconder o enorme contingente de seres humanos que vai dormir com fome no final do dia. O produtivismo e o consumismo destrutivos – criadores de mais e mais luxo e lixo, destruindo a vida e a natureza – tomaram conta de nosso estilo de vida. Acumulamos bens individuais, pobreza coletiva e infelicidade humana.

 

Apimenta o diagnóstico uma crise de valores e de utopias, de imaginários mobilizadores. Há um certo cinismo que se alastra como um câncer cultural, destruindo a capacidade de indignar-se diante de um individualismo fundamentalista, instituído em regra absoluta do ganhar a todo custo e que vença o mais esperto e competente, não importa como. O tecido social da convivência e do compartilhamento, do reconhecer-se responsável pela igualdade de direitos de todos, está ameaçado. Existem, sim, muitas resistências, por toda parte, mas ainda não é uma nova onda histórica de esperança e transformação. Mudanças estão acontecendo, mas precisam se articular e fortalecer cirando movimentos irresistíveis, definidores de uma nova agenda e um novo horizonte histórico para o mundo.

 

No meio de grupos e movimentos sociais minoritários contestadores – os altermundialistas ou ativistas da nascente cidadania planetária, como prefiro definir –, ainda pouco visíveis no espaço público, usamos a expressão crise de civilização para definir esta combinação e simultaneidade de muitas crises. A crise de civilização caracteriza, para nós, esta perda de capacidade de resposta do sistema dominante diante dos desafios planetários, tanto de preservação da integridade do planeta e da vida para futuras gerações, como de injustiça social e ambiental intra e inter povos hoje. Os fundamentos, a legitimidade e os rumos do modelo ocidental eurocêntrico, extensivamente do Atlântico Norte, velho de alguns séculos, gestador das conquistas e do colonialismo escravagista, do capitalismo e do socialismo (seu oposto irmão siamês), estão derretendo e podem acabar tornando irreversível o processo de destruição ecológica e social. Mas falar em crise de civilização pode ser uma forma de substituir a análise pelo conceito vazio, que esconde mais do que desvenda. Necessitamos urgentemente de consistentes sínteses analíticas que demonstrem e fundamentem o conceito, sobretudo que esta é uma condição para que as propostas de superação adquiram consistência e inteligibilidade.

 

Pensar as bases de uma nova civilização e engajar-se no longo processo de desmonte e reconstrução social da cultura, da economia e do poder que isto implica é um imperativo para a humanidade. A ideia de uma biocivilização vai no sentido de busca de um novo paradigma civilizatório. Conceito embrionário ainda, em meio a outros, também legítimos como busca. Biocivilização pode sinalizar uma direção, mas na verdade é ainda um conceito que também precisa ser construído, num longo processo de diálogo com a realidade, com os processos, com as lutas, com as práticas de resistência e emancipação em curso. Trata-se de uma teorização a ser elaborada. Caso contrário, pode ser o caminho mais curto para substituir o esforço de análise e explicação pelo conceito vazio que encobre.

 

Mas esta é apenas uma parte das contradições e desafios do imperativo de pensar saídas para a crise de civilização que vivemos. Os valores e as ideias, o imaginário, a compreensão e as propostas são uma condição necessária, mas insuficiente. Tudo precisa de portadores, de sujeitos coletivos que vejam neste conjunto de valores e ideias a expressão do sentido de sua existência e engajamento, do horizonte utópico a almejar e das possibilidades de transformação das condições, relações e estruturas vividas. Trata-se da coerência entre o pensado e o vivido, do quanto as análises e propostas mobilizam e movem as lutas sociais, fortalecendo aqueles sujeitos coletivos que podem mudar o status quo. Não existe mudança histórica sem sujeitos sociais que as promovam em disputa com outros sujeitos sociais que não as desejam. Ou seja, o nosso pensar alternativas ao sistema, à crise de civilização, propondo um novo paradigma só é viável se, de um lado, vira expressão dos sonhos e desejos de sujeitos coletivos diversos, na pluralidade de povos e territórios do mundo, e, de outro, leve a alianças e movimentos com força e poder suficiente para fazer as mudanças na sociedade, nas suas relações internas e na cultura dominante, na relação delas entre si a nível mundial, no Estado e na economia em que se sustentam, nas relações da humanidade com a natureza. As alternativas serão de fato alternativas se carregadas pelos que se mobilizam e lutam, a partir das contraditórias situações concretas em que vivem e se constroem como sujeitos com identidade e projeto, como cidadania ativa. Esta é uma tarefa possível – a história humana está repleta de exemplos – mas árdua e longa, de uma ou mais gerações.

 

O presente Caderno de Propostas quer-se uma contribuição para enfrentar as questões acima. É um chamado aberto à reflexão para a ação política transformadora, construindo o caminho no andar, como dizia o poeta, mais do que um plano já traçado. Trata-se de construção de pontos, uns mais claros que outros, com preocupação de ser coerente e consistente, não necessariamente exaustivo. Pontos que motivem e possam servir de roteiro de trabalho mais sistemático de análise e reflexão. Mas, ao mesmo tempo, pontos que se colam à ação política, que alimentem, subsidiem e fortaleçam sujeitos coletivos e suas lutas pela transformação da realidade vivida.

 

O caderno está organizado em duas partes. Uma mais de filosofia política, de sistematização e reflexão sobre as bases fundantes de um novo paradigma, que já animam lutas no horizonte histórico de nossas vidas e que articuladas podem apontar projetos possíveis . A outra sobre a ação, das urgências e tarefas políticas que, talvez, devamos priorizar junto aos sujeitos coletivos que desejam outro mundo, para tornar possível a transição a um novo paradigma de civilização a partir do aqui e do agora.

 

 

Primeira Parte

 

Fundamentos para uma Biocivilização

Este é um desafio monumental, de ordem filosófica e política, pois se trata de desmonte de pressupostos do pensamento e da ação tornados senso comum e, por isto mesmo, pilares desta civilização industrial produtivista e consumista, machista e racista, que invade nossas vidas, molda nossas cabeças, organiza a economia e o poder na sociedade. Até vemos a destruição e desigualdade que o modelo de desenvolvimento em que assenta esta civilização gera. Somos, porém, levados a pensar que é por falta dele, pelo não desenvolvimento ou subdesenvolvimento, que tais males persistem. O sonho e a ideologia dominantes de Norte a Sul e de Leste a Oeste do Planeta Terra é o desenvolvimento, entendido como fazer crescer o PIB, ter e consumir mais bens materiais, custe o que custar.

 

Só agora, com o fantasma da mudança climática, alguma dúvida surge e o edifício ideológico e cultural, os valores e a ética desta civilização produtivista e consumista apresentam fissuras. O momento é propício para levantar bandeiras, mas nada acontecerá por mero determinismo. A práxis transformadora tem que ser reinventada. A tarefa hercúlea não pode se intimidar diante da avassaladora capacidade da própria civilização dominante se reproduzir sem mudar os fundamentos. Para a biocivilização não basta maquiar de verde o que temos e continuar crescendo, com exclusões sociais e destruições do bem comum natural. Precisamos recompor e reconstruir os fundamentos da civilização humana para que ela mesma não seja uma ameaça à sustentabilidade de todos, sem exclusões, intra e inter gerações, e de toda a vida, bem como da integridade do planeta.

 

É bom que fique claro que aqui estamos falando de princípios e valores éticos que tem no centro as relações da humanidade com a natureza e sua rica biodiversidade e as relações da humanidade com a sua própria diversidade social e cultural. Os princípios e valores são a infraestrutura tanto dos ideais e do imaginário social como das práticas em todas as esferas da vida, do poder e da economia ao cotidiano, à vida grupal e familiar. A atenção aqui é aos princípios e valores já presentes de forma subordinada no interior da civilização em crise, princípios e valores que podem ser potencializados como forças emergentes de um novo paradigma de pensamento e ação, que aponta a possibilidade histórica da biocivilização. Não se trata do óbvio, como alguns podem pensar, mas de busca do bom senso no senso comum, como o grande pensador da mudança histórica possível, Gramsci, nos ensinou.

 

1 – Sociedade e Natureza

Uma questão central, abordada em todas as cosmovisões, é sobre o nosso lugar como seres naturais mas dotados de consciência. Não cabe aqui examinar tais tradições filosóficas e teológicas. Importa reconhecer o quanto a visão que estabelece como pressuposto a separação entre seres humanos e biosfera leva à centralidade e domínio dos humanos sobre todas as outras formas de vida e sobre a base natural comum a toda vida. Tal pressuposto filosófico – o antropocentrismo – é um dos pilares da civilização dominante. A expansão científica e tecnológica se alimenta em tal pressuposto e é condição da industrialização. Sem dúvida, botar os seres humanos como senhores absolutos e neles mesmos distinguir a razão como base da objetividade em contraposição e dominando a subjetividade (ética, emoção, afetividade, gozo e medo), ao longo de séculos produziu um extraordinário desenvolvimento científico e técnico contra a natureza. Uma grande conquista humana, sem dúvida. Mas com isto acabamos tornando a ciência e a técnica valores supremos. Pior, o mesmo pressuposto – a racionalidade – acabou justificando novas formas de domínio, escravidão e exploração de humanos sobre humanos. Ou seja, em última análise, a separação entre seres humanos e natureza elegeu a racionalidade em força motora e ideologia legitimadora na constituição da civilização industrial, com sua riqueza e pobreza, sua violência e domínio, seu poder destrutivo de natureza e dos grupos sociais e povos que a ela se contrapõem. Não acabou com a subjetividade, a subjugou, subordinando a própria ética à racionalidade.

 

Na crise da civilização dominante, uma questão que emerge com condição sine qua non é a necessidade de recompor e reconstruir a nossa relação com a natureza. Afinal, antes de tudo, somos parte da biosfera, somos natureza nós mesmos. Nossa vida não está acima nem de lado, mas dentro da lógica natural. Mas, para isto, precisamos recompor a nós mesmos como seres humanos, dotados de razão e de sensibilidade, uns dependentes de outros, múltiplos e diversos, com capacidade de criar significados e direções, mas como parte do conjunto da natureza, sabendo tratá-la, compartí-la e regenerá-la. As gerações futuras tem direito às mesmas condições naturais que a nossa. Mais, a integridade do planeta é um valor em si e um dever nosso de preservá-la. Interagir e trocar com a natureza é, por definição, o viver. De uma perspectiva de biocivilização, nesta relação com a natureza, adaptando-se às suas condições e ritmos, seguindo seus processos de mudança e enriquecendo-a, facilitando a renovação e regeneração, se define a sustentabilidade da vida e do planeta.

 

A relação com a natureza, como condição do próprio viver, é de dependência e troca. As formas desta relação são diversas como diversa é a biosfera e são as condições naturais, de um lugar a outro. Os territórios – o lugar em que vivemos e nos organizamos como sociedade em relação com o seu meio, nas cidades ou no meio rural – exprimem esta diversidade da natureza, da interdependência da natureza com a biodiversidade e da sua simbiose com os seres humanos, diversos eles mesmos. A ciência e a técnica podem ser extremamente úteis, se seu uso for subordinado à ética do respeito à integridade da biosfera, da natureza e seus processos físicos e biodinâmicos, como ela se apresenta nos territórios. Voltar a nos olhar como parte dos territórios, como o nosso local de existência, com suas possibilidades e limites, pode ser o caminho do refazer e reconstruir a relação sociedade -natureza, no respeito mútuo, de trocas vitais que reproduzem e regeneram, sem destruir. Trata-se de fazer um percurso mental e prático de relocalização e redescoberta dos laços que nos unem ao mundo natural e com base nele dos laços de convívio social, num planeta natural e humano interdependente, do local ao mundial. Hoje sabemos, também, que os fenômenos naturais são interdependentes uns dos outros em termos planetários, mesmo se sua manifestação e forma são específicas a cada território.

 

Este é o ensinamento que emerge, na crise atual, do grito dos que não se concebem independentes de seus territórios, como os povos originários – especialmente indígenas e povos tribais – as comunidades quilombolas, os grupos de coletores de frutos da floresta, as comunidades camponeses ao redor do mundo. A eles a humanidade deve a preservação do que resta da biodiversidade no planeta, dado a simbiose de seu modo de viver com a natureza. Neles, também, é possível redescobrir uma cultura de convívio e respeito com a natureza, não comprometendo as várias formas de vida e a sua integridade, mas tirando partido delas para viver como seres humanos, como criadores de cultura, de conhecimentos, sentidos e comunicação.

 

Os povos indígenas andinos, em particular, nos trazem hoje a ideia do bem viver, que tem como seu pilar o reconhecer-se como parte da natureza e ver nela um sujeito com que se relacionar e respeitar, a mãe terra. Na verdade, sua visão e sua cultura combinam conceitos e práticas próprios de uma sociedade que interage com todos os componentes da natureza (o ar, o Sol, a Lua, a água, a chuva, a montanha, os animais, as plantas…) como sujeitos eles mesmos, assim como nós, os humanos. Esta complexidade é difícil de ser captada e traduzida para a nossa cultura eurocêntrica, incapaz de captar a radicalidade de sua filosofia de viver. O fato é que tal filosofia pode nos inspirar na reconstrução ética e prática a fazer enquanto humanidade para uma biocivilização. Mas, não nos iludamos, o caminho não está traçado e são muitos os desafios. O que é bem viver numa favela, num lixão urbano, numa acampamento de refugiados, numa comunidade de posseiros e sem terra ameaçados? Como redescobrir o bem viver cercado por canaviais ou eucaliptos a perder de vista? Como voltar a sonhar em bem viver nas nossas cidades feitas para carros de uso individual ou nos edifícios refrigerados e nos condomínios cercados, da mais radical separação com o “mundo lá fora” e entre nós mesmos? Qual o senso de comunidade que ainda existe para resgatar de dentro do que a civilização industrial produtivista e consumista nos transformou? Como deixar um estilo de vida do ter mais, produzindo sempre mais lixo e destruição, para dar lugar ao ser mais, mais feliz, mais solidário, mais consciente das responsabilidades em regenerar, reproduzir e preservar a integridade da base natural, compartindo-a com todos hoje e com gerações futuras?

 

A própria ideia de biocivilização traz de imediato ao centro esta relação com a biosfera e os territórios. Ou seja, para voltar a ser sustentável a civilização humana tem que renunciar ao antropocentrismo e mudar radicalmente sua visão e relação com a natureza. Mas será que isto implica em adotar uma perspectiva “biocêntrica”? (ver Gudinas,E. “La senda Biocéntrica: Valores inrínsecos, derechos de la naturaleza y justicia ecológica”. Tabula Rasa. Bogotá, (13): 45-71, jul./dic. 2010). A vida, toda forma de vida, tem o direito fundamental de existir, este deve ser o princípio fundante, condição e limite da civilização humana. Mas para isto será necessário desativar a “máquina” para acumular riqueza material e financeira. Esta máquina é o motor do desenvolvimento. Ela combina mercantilização sem limites – atribuindo preços a produtos e serviços, inclusive da natureza – com industrialização na busca de mais produtividade, consumo e acumulação (Ver Spratt,S. et alii. The Great Transition. London, The New Economics Foundation, 2010). Apesar de orientada para o crescimento e regulada pelo mercado, a máquina da industrialização produz mais lixo do que bens e serviços úteis. Trata-se de um sistema que funciona numa lógica de negócio que planeja a obsolescência (duração e utilidade) dos produtos para poder vender mais e mais e assim acumular riqueza monetária (Tasso Azevedo. “Feito para não durar”. O Globo, Rio de Janeiro, 20/07/2011, p.7)

 

2 – Ética do Cuidado, da Convivência e do Compartilhamento

Aqui estamos diante de princípios e valores que deverão organizar a infraestrutura humana da economia e do poder para uma biocivilização. Na civilização industrial produtivista e consumista, organizada pelo valor mercantil, tais princípios e valores estão excluídos ou minimizados, são subjugados unicamente ao que contribuem ou não ao valor de mercado. Com tal exclusão, ficam de fora todas as atividades humanas que eles implicam, vitais apesar de tudo. No entanto, tais princípios se referem ao essencial de uma economia voltada para a vida (“the core economy”, como definem Spratt et alii. op.cit), pois é neles que assenta a vida real. Por esta mesma razão, o poder, para ter sentido, deve criar o ambiente social, cultural e institucional propício para que tais princípios e valores sejam a referência da sociedade como um todo.

 

O cuidado pode ser tomado como o princípio fundante, apesar de sua interdependência com os outros dois. A vida não existiria sem o cuidado. É algo imanente na vida natural, tanto nos animais como nos seres humanos. Nada mais exemplar do que a defesa pela mãe dos recém-nascidos. E nada mais horripilante que o abandono. Como um fio contínuo, passando por gerações, a vida se reproduz e, ao mesmo tempo, morrem seres vivos, num processo contraditório em que a vida continua no nascer e no morrer dos e das que a desfrutam. Todos os seres vivos do planeta carregam esta maravilhosa sina. E ela opera baseada no princípio do cuidado.

 

O cuidade é atividade essencial do cotidiano. O movimento feminista nos lembra que sem o cuidado não existiriam bebês e crianças e a vida não se reproduziria. Aliás, sem carinho e amor, que seria a vida humana? Sem a atividade do cuidar, vigiar, cozinhar e servir a comida, lavar, enfim, sem a economia doméstica, a própria vida humana não existiria. É neste espaço considerado privado que se gesta o essencial do humano. Nossos velhinhos, pais e avós, os doentes e os portadores de necessidades especiais, todos seriam condenados não fosse o cuidado doméstico, familiar, cotidiano. Este trabalho essencial é realizado fundamentalmente pelas mulheres, que carregam o fardo da dupla jornada e sofrem a dominação machista. Estamos, na verdade, diante de uma inversão, onde o essencial – o cuidado – é considerado privado e sem valor na nossa economia dominante, onde o mercado ocupa um lugar central. Pior, nossa sociedade, ao desqualificar o cuidado, desqualifica, explora e domina as mulheres, privatizando a família e, no seu interior, legitimando a dominação machista. Afinal, que tem a economia de “gestão da casa”, na sua acepção original, se exatamente a casa, considerada vida privada, está de fora, não tem valor e, pior, é lugar privilegiado da “vida privada”, onde a dominação e violência machista não tem limites?

 

Seria um reducionismo e, ao seu modo, uma subjugação ao princípio de valor do mercado dizer que estamos diante de trabalho não pago, somente. Na verdade, estamos diante da negação mais gritante e evidente tanto da igualdade fundamental dos seres humanos, mulheres e homens, como do princípio ético do cuidado, definidor de uma economia humana sustentável. Trata-se de reconhecer e combater a exploração doméstica e privada embutida no trabalho essencialmente feminino do cuidado, condição indispensável para a sobrevivência da espécie, pelo sistema de acumulação de riqueza a qualquer custo, motor da civilização industrial capitalista e (me dói dizer isto) do subalterno socialismo. O trabalho doméstico feminino subjugado é fundamental ao funcionamento do sistema dominante. Mas ele não pode eliminar ou dispensar o cuidado.

 

Precisamos resgatar o cuidado como princípio de desprivatização da família e da dominação machista no seu interior – afinal aí se gesta o bem comum maior da humanidade, os filhos e as filhas que darão continuidade a ela. Mas, ao mesmo tempo, precisamos erigir o princípio do cuidado como central da nova economia, da nova gestão da grande casa que é a simbiose da vida humana com a natureza, a indispensável vida em comunidade onde se convive e compartilha tudo, os territórios como forma de organizar-se para viver segundo as potencialidades e limites do locus que ocupamos, a economia e o poder que daí resultam, do local ao mundial.

 

Cuidar é um imperativo para dentro do humano e da nossa relação com a biosfera. Sem cuidado, a atmosfera foi colonizada pelas emissões de carbono das grandes corporações econômicas, das empresas, dos mais ricos e poderosos, pelo consumismo. Hoje a humanidade está ameaçada, como espécie viva, assim como todo forma de vida. Sem cuidado, fez-se a empreitada colonial da conquista de povos e seus territórios e, hoje, continua a disputa pelos recursos naturais do planeta. Em busca de maior produtividade, sem cuidado, estamos criando sementes transgênicas e destruindo a biodiversidade existente. Sem cuidado, estamos poluindo a água, destruindo a vida nos oceanos, desmatando e criando desertos. O fato é que se torna impossível pensar sustentabilidade sem o princípio e valor ético do cuidado.

 

O cuidado tem como corolários os princípios da convivência e do compartilhamento. O cuidado floresce com a vida comunitária e as relações de amizade. Elas estendem o cuidado para fora da família em termos sociais. Aí florescem a vida cultural, as festas, o sonho e o imaginário, as crenças que dão direção e sentido ao viver, o amar. É com base no cuidado que se desenvolve a cooperação e emerge o interesse comum. Convivência e compartilhamento são indispensáveis para a comunicação, para a linguagem, para o aprendizado. Os conhecimentos, por sua vez, não existiriam não fosse o compartilhamento.

 

Nada mais agressor a tais princípios do que o estilo dominante de nossas cidades, feitas para os carros individuais, de proximidade extrema e distância humana quilométrica, com chaves e esquemas de segurança que bloqueiam e apartem, prédios cercados e condomínios vigiados dia e noite por guardas privados. Felizmente, aqui também, é possível ver bolsões de resistência, no campo e nas cidade, onde florescem o cuidado, a convivência e o compartilhamento, que apontam para outras possibilidades de organizar-se e viver bem.

Existe algo mais negador de humanidade do que a propriedade privada intelectual? Afinal, é possível imaginar conhecimento, como bem comum criado, independente da contribuição anônima de uma corrente de seres humanos, desta e de gerações passadas, que compartem seus erros e acertos?

 

Os princípios e valores éticos do cuidado, da convivência e do compartilhamento devem estar no centro da reconstrução de nossa relação com a natureza, ela como base indispensável da vida humana, de toda vida. Mas, também, devem estar no centro da nova economia e do novo poder. A economia sustentável só é possível fundada no cuidado, que leva ao respeito à integridade da natureza, ao uso que não destrói ou cria lixo, mas renova e regenera. Cuidar é estender a vida útil de bens materiais, consertando e conservando. Cuidar é trocar com a natureza, respeitando-a, sem ultrapassar a pegada ecológica possível para a sua integridade hoje e para gerações futuras. Preservar espécies naturais (sementes e animais) – a biodiversidade – é cuidar e, ao mesmo tempo, estabelecer condições de convivência e compartilhamento. Conviver e compartilhar como aqui são definidos implicam em por em questão, radicalmente, o princípio da propriedade individual da terra, de um pedaço da crosta terrestre. A propriedade exclui os não proprietários de ter acesso e intergir com tal pedaço de natureza tornado domínio privado de alguém. Extensivamente, a dominação territorial de um grupo ou povo sobre outros, definida como direito de soberania sobre territórios e gente, onde tudo pode fazer quem domina, é uma negação dos princípios aqui definidos como base para uma biocivilização. Afinal, todos precisamos de recursos desigualmente distribuídos no planeta para viver. Como invocar o princípio da soberania para não compartir?

 

Temos onde nos inspirar para alimentar uma filosofia ativa no sentido de mover e transformar o paradigma da civilização. Uma tarefa é o diálogo intra e inter movimentos que permita sínteses novas combinando tudo o que significa o bem viver dos povos indígenas, com o cuidado da feministas, o conhecimento compartilhado das plataformas do software livre e do copyleft, da agroecologia e economia solidária, sem contar o que vem da ecologia profunda e a ética ecológica. Tarefa árdua e contraditória, ainda sem grandes pontes e iniciativas neste sentido. Na pluralidade de resistências e buscas está o bem senso emancipador e construtor de outros mundos. Não se trata de fazer sínteses reducionistas, mas como esforço de uma filosofia voltada à biocivilização a tarefa é dar um passo adiante, vislumbrar caminhos e definir diretrizes de pensamento e ação, criando novas e dinâmicas coalizões de sujeitos coletivos para a sustentabilidade da vida e do planeta.

 

3 – Os Bens Comuns

Um novo paradigma civilizatório só será possível se enfrentarmos a lógica do ter mais e mais bens materiais de consumo individual e de acumular riqueza mercantil como parâmetro de felicidade. A sustentabilidade da vida e do planeta, aqui e agora, e para gerações futuras, depende da quebra desta lógica. Provocando desenfreada competição por recursos e riqueza, hoje em escala planetária, tal lógica leva à destruição da integridade da natureza e a formas extremas de desigualdade e exclusão social. A civilização existente é ecológica e socialmente insustentável.

 

Os diagnósticos sobre as mazelas da nossa civilização atual são abundantes e alarmantes. Não é, porém, escopo deste caderno de propostas fazer um balanço crítico e posicionar-se a respeito. O que importa são as condições de transformação do sistema atualmente dominante e de constituição de um novo paradigma. É neste quadro que a questão dos bens comuns adquire importância estratégica. Organizando-nos em torno aos bens comuns podemos criar um novo modo de ser e viver, tanto na relação entre nós mesmos, como na relação com a natureza. Estaremos diante da possibilidade fazer emergir modelos biocêntricos de organização social e cultural, econômica e política, alternativos ao desenvolvimento de hoje.

 

Mas, afinal, o que são os bens comuns? Ser comum não é um a priori, mas um resultado. Os bens não são comuns, são socialmente tornados comuns. Comum não é uma qualidade inerente ou intrínseca ao bem (natural ou produzido), mas uma qualidade que a relação social lhe atribui. Gerar bens comuns é uma forma especial de organizar a vida social (Silke).

 

Os bens comuns são os que as relações sociais identificam e gerem como tais. Que processos sociais levam ao reconhecimento e à gestão comum, condição da definição de bens comuns? A necessidade sentida, almejada e enfrentada coletivamente leva a criar bens comuns. Ao mesmo tempo, a desenfreada busca de acumulação individual capitalista vem sendo a forma mais radical de encarceramento e destruição dos bens comuns. Resgatar e regenerar bens comuns é mais do que uma resistência, é criar as condições de um outro modo de vida.

 

A humanidade sempre conviveu com bens considerados comuns. Alguns – como a água, os rios e oceanos, o ar e a atmosfera – porque se identificam com a própria vida e é inconcebível viver sem eles. Outros porque os usos e costumes sempre os trataram como de todos, aí estando as montanhas, as florestas com seus frutos, os caminhos e as estradas, os espaços de encontro e convivência que dão origem a praças, os lugares sagrados como cemitérios e locais de oração. Outros ainda porque constituem parte definidora da identidade social e cultural do grupo, tribo ou povo, como a língua, a música, a dança e o canto, a religião. A estes todos cabe ainda acrescentar o conhecimento, em suas variadas e ricas formas, sua comunicação e sua aplicação prática no processo de interação com a natureza e organização da vida. São bens de diferentes características. Uns são dádivas da natureza, outros são bens produzidos e usufruídos coletivamente. O caráter de bens comuns foi se constituindo no tempo, de par a par com a sua gestão coletiva. Ser parte do grupo, comunidade ou povo é também ter o direito de compartir tais bens comuns.

 

Diante disto, seria uma enorme limitação considerar os bens comuns como uma forma de propriedade em contraposição à propriedade privada. Sem dúvida, se são bens comuns não podem ser propriedade privada, mas o seu caráter comum extrapola a questão da propriedade em si. Isto é fundamental distinguir para não enclausurar a centralidade dos bens comuns para a vida social numa forma de propriedade, coletiva ou estatal. Sua importância, antes e acima da propriedade, reside na ideia de substrato da vida em sociedade.

 

Mas a história real, especialmente o processo histórico que criou as condições para a emergência e desenvolvimento da civilização capitalista industrial que conhecemos, é de usurpação pelo enclausuramento e pela apropriação privada do comum. Isto leva a extrema comodificação e mercantilização dos bens comuns, uma das bases de sua expansão e uma de suas contradições mais evidentes. Pior, diferentes formas de vida estão sendo mercantilizadas. A radicalidade desta ameaça à vida e aos bens comuns, assim como a resistência social que provoca, tem a ver com a insustentabilidade deste processo. Trata-se de uma ameaça ao planeta e à humanidade como a conhecemos.

 

A descomodificação e desmercantilização dos bens comuns são uma das condições incontornáveis para superar a crise de civilização e para caminhar em busca de bases de sustentabilidade da vida e do planeta. É através da luta social que se resgatam bens comuns concreta e simbolicamente, alargando a própria abrangência do comum. Em torno aos bens comuns uma das lutas mais evidentes, porque ancorada em diferentes realidade, talvez seja a luta contra a privatização da água. Em todos os lugares do planeta, todos os povos, de diferentes formas, registram-se lutas pela água como bem comum como aqui concebido. Apesar de difusa como definição, a atmosfera e o clima, devido à crise ambiental provocada pelas emissões climáticas, começa a ocupar um lugar de destaque nas lutas dos bens comuns. Conceitos novos, como o da colonização da atmosfera, dos oceanos e mares, da biodiversidade, pelas grandes corporações capitalistas e pelas sociedades mais ricas, vai ganhando substância e densidade e com isto estes campos emergem como bens comuns planetários. Lutas como a do software livre estão na vanguarda da luta contra a privatização dos conhecimentos e eles como um bem comum fundamental. Com isto é a luta contra toda forma de propriedade intelectual que emerge como condição para o florescimento dos bens comuns e a constituição de uma biocivilização. A radicalidade da visão indígena do bem viver reside no modo como concebe e se relaciona com toda a natureza e os bens comuns.

 

Trazer os bens comuns ao centro do debate é, na verdade, trazer as condições de vida, de toda vida, ao centro. Mas como reconverter nosso estilo de vida priorizando os bens comuns? Pensemos em nossas cidades, são elas um bem comum? Nossa gestão das cidades – como espaço humano construído, organizado, para todos – vai no sentido de tratá-las como bem comum? O câncer privatizante e individualista que impera nas cidades, priorizando o individual, o carro, a segurança do patrimônio e não da cidadania, excluindo e marginalizado, pode ser extirpado para ressaltar o bem comum de todos? E na nossa agricultura, podem as florestas se submeter à lógica do agronegócio ou elas devem ser resgatadas como bem comum? Não é uma ameaça frontal ao bem comum comercializar florestas em pé em troca de créditos de carbono, alternativa que nos oferece a economia verde? Os biocombustíveis atendem à reivindicação crescente de cuidado e conservação da natureza pensando no bem comum ou são simplesmente mais uma nova forma de mercantilização e destruição? E o que dizer das sementes e da biodiversidade, são elas nova frente de negócios ou patrimônio natural fundamental para a integridade do planeta e um patrimônio coletivo para se cuidado, trocado e compartido por toda a humanidade? De que forma quebrar à lógica da privatização e dos negócios? Os conflitos que o extrativismo gera no mundo inteiro (minerais e petróleo, por exemplo) são motivados pela distribuição da fantástica renda que gira em seu entorno ou porque os territórios visados pelo extrativismo são onde resistem povos com relação e gestão da natureza que a preservam como modo de vida?

 

Para a biocivilização, os bens comuns são um dos fundamentos. Resgatar bens comum, alargar bens comuns, criar novos bens comuns, todas são tarefas para a edificação de um novo paradigma de civilização em contraposição ao que está em crise. Bens comuns não necessariamente negam a industrialização, mas a subordinam à lógica do comum. Não são contra o os benefícios e utilidades que propiciam os bens comuns, simplesmente impõem e reforçam os princípios do cuidado e do compartilhamento. Reforçar o seu caráter de bens comuns é reforçar o social, o espírito de comunidade, a vida coletiva, o viver como experiência que só se realiza na relação com outros seres humanos, com outros seres vivos e com a natureza em sua contraditória e fantástica plenitude.

 

4 – Requalificando a Luta por Justiça

A justiça social, que se funda no reconhecimento do princípio da igualdade da condição dos seres humanos, atravessa as mais diferentes tradições filosóficas e religiosas. Dada a realidade da desigualdade social intra e inter povos ao longo da história, a luta por justiça e igualdade tem sido o “motor da história”. Nunca a humanidade foi tão desigual como no contexto atual da abundância excludente, de escandalosa riqueza e insuportável miséria, e nunca esta verdade da luta por justiça e igualdade foi tão evidente. Também, nunca a humanidade teve tão ampla consciência do imperativo da equidade e da ameaça que significam a exclusão social, a pobreza e as diferentes formas de desigualdade e injustiça social como no quadro aqui definido como de crise de civilização.

 

Mas o que significa hoje lutar por justiça social? Com o desmonte do socialismo real e com a hegemonia do capitalismo globalizado a questão da igualdade e da justiça social ficou ainda mais visível. Crescendo a desigualdade para dentro do países e entre eles, as lutas por igualdade se intensificaram, mas são fragmentadas. As utopias libertárias e emancipatórias perderam encanto com a crise das teorias de transformação baseadas no inevitável protagonismo, pouco fundado no processo real da historia, de certas classes sociais sobre outras classes subalternas. Mais, o socialismo real se apresentou como forma alternativa de maximizar a industrialização produtivista (“forças produtivas”). Na prática, as revoluções socialistas aceleraram e aprofundaram a destruição da natureza. No vazio deixado, cresceram os fundamentalismos religiosos e políticos, a seu modo violentos e excludentes. De toda forma, a luta contra as desigualdades de toda espécie é ainda uma grande bandeira de potencial unificador a escala mundial, como revelam processos recentes como o do Fórum Social Mundial. Tal luta está intimamente associada à emergência de diferentes identidades e sujeitos coletivos, num novo modo de fazer política, neste mosaico dinâmico e de múltiplas possibilidades da nascente cidadania planetária.

 

O problema da desigualdade é de relações de força, relações de poder. A sua complexidade não pode ser reduzida ao tamanho da renda monetária, por mais gritantes que os indicadores de renda per capita sejam. As formas de desigualdade como formas de dominação social são uma característica intrínseca da civilização industrial produtivista e consumista. Sociedade do ter e do acumular, ela necessariamente cria excluídos e dominados para que o ter e acumular nas mãos de poucos aconteça. Para isto, esta “máquina” privatiza e mercantiliza, usurpa bens comuns, priva enormes contingentes da população de meios de se organizar e viver autônomos, não sobrando outra forma de viver que não a de se submeter à exploração capitalista. A própria ideologia do ter e consumir como expressão de felicidade humana penetrou fundo na mentes e corações. No processo de produzir e acumular, esta forma de organização e modelo de desenvolvimento da riqueza, produz ao mesmo tempo desigualdade social e desigualdade ambiental, mas impõe o seu ideário de consumo a todo sociedade, tornando-a refém do crescimento dos negócios, perpetuando-se no tempo.

 

Um dimensão que precisa ser incorporada na requalificação da questão da desigualdade social é, exatamente, a destruição ambiental. Como humanidade, já consumimos mais recursos naturais – a nossa pegada ecológica – do que o planeta suporta. Estamos praticando hoje uma injustiça entre gerações, pois não estamos deixando para futuras gerações a natureza com a capacidade de regeneração como a encontramos. Considerando a desigualdade e injustiça social, a destruição ambiental, que compromete futuras gerações, deve ser vista como uma fundamental faceta da própria desigualdade social atual. Afinal, a destruição ambiental é socialmente desigual, uns grupos e sociedades sendo mais responsáveis do que outros e, pior, fazendo destruição em detrimento de atuais e futuras gerações.

 

Portanto, associar a luta por justiça social à luta contra a destruição ambiental é fundamental, uma depende da outra. Pensar que, lamentavelmente, vai ser necessário consumir e destruir um pouco mais da natureza em nome da justiça social – avançar com o modelo de desenvolvimento e crescer economicamente para geral emprego e distribuir renda – é um modo de encobrir e continuar um modo predatório de produção de riqueza, não sustentável, nem social e nem ambientalmente. Para enfrentar a injustiça social é fundamental enfrentar a destruição ambiental e a injustiça nela contida. Não é uma ou outra, são as duas ao mesmo tempo. Pois, é também uma balela pensar que se enfrenta destruição ambiental sem enfrentar injustiça social. Uma não acontece sem a outra e isto requalifica de modo radical as lutas sociais de nosso tempo tendo em vista a biocivilização.

 

De toda forma, por mais importante que seja a afirmação acima e seu impacto nas lutas atuais, nos desafios que traz para a definição de alianças e coalizões políticas possíveis entre sujeitos sociais, nos projetos e nas plataformas de ação de movimentos políticos por um mundo mais justo e sustentável, a unificação de lutas por justiça social e ambiental ainda não é suficiente em vista de um novo paradigma. Ainda estamos num mundo antropocêntrico, de justiça entre seres humanos, da atual e de futuras gerações. Mas como fica a natureza, a sua integridade? Até que ponto isto afeta a luta por justiça entre nós, seres humanos?

 

Somos parte da natureza, mas tendemos a não nos ver assim. A revisão da relação sociedade e natureza foi considerada aqui como condição fundante de uma civilização biocêntrica, a biocivilização. Em sendo assim, a questão traz ao centro uma reflexão ética e de justiça de tríplice dimensão: social, socioambiental e ecológica. Afinal, existe ou não uma questão de ética ecológica, de direitos e de justiça da natureza em si? Não é isto que se conclui da visão cósmica do bem viver e da ecologia profunda, em que a natureza, seus diferentes elementos, são sujeitos detentores de direitos? Podemos nós sermos contra o direito imanente de sementes e animais de se realizar como seres vivos, da cadeia da vida ser como é, da atmosfera e o clima não serem alternados? Como tudo isto requalifica a fundamental luta por justiça social? Por mais difíceis que tais questões sejam, a busca de respostas a elas nos bota no caminho da biocivilização, mesmo que ainda muitas gerações tenham que se debruçar sobre elas.

 

5 – Direitos e Responsabilidades Humanas

Na nossa cultura política, o enfrentamento das injustiças, geradas ou reproduzidas e aprofundadas pelo que aqui chamo de civilização dominante, tende a estar associado e confundido com a própria ideia de acesso e garantia de direitos humanos. Apesar da definição legal de tais direitos ser uma dimensão real e importante, importa aqui considerar os direitos em sua legitimidade e sua expressão nas diferentes culturas e realidades. Constituinte de direitos é o processo de disputa social, que gera direitos, tendo como base o estar incluído na sociedade e ser parte total reconhecida por todos, sem discriminação e desigualdades. Como parte deste processo, os direitos qualificam constantemente a sociedade em que se disputam direitos.

 

Direitos humanos não são privilégios. Para serem direitos devem ser iguais a todos e todas. Se servem para parte, para certos grupos, certas classes ou certos povos, são expressões de privilégios sociais associados ao poder. Por isto, é fundamental considerar os direitos humanos como expressão da qualidade das relações sociais de uma sociedade dada. A luta por direitos iguais, mesmo se tais direitos não são ainda reconhecidos, qualifica as próprias lutas, os sujeitos coletivos seus promotores e transforma a sociedade, o seu modo de organização e gestão.

 

E é com tal compreensão dos direitos – como bem comum de uma cultura política de direitos em permanente construção e disputa, direitos iguais de referência para todos – que eles se tornam importantes na reengenharia social visando a sustentabilidade da vida e do planeta. Para ser alavanca de transformação, a busca de direitos não deve se deter em face dos privilégios legalmente estabelecidos, definidos pelos poderosos como direitos e encobrindo o seu caráter de poder de classe. Também os usos e costumes, a jurisprudência, os tratados e acordos, acabem congelando situações dadas de relações de força exprimindo-as como direitos, quando não necessariamente todos o são.

 

Aqui surge uma questão fundamental ainda não tão presente na atual cultura política dos direitos humanos, mas que precisa ser incorporada. Não existem direitos humanos sem responsabilidades humanas. Para se ver como titular a ter direitos, todos os direitos, a condição é reconhecer a mesma titularidade em todos os demais. São os dois lados da relação política de igualdade a que os direitos humanos, como bens comuns, se referem. Ou seja, para ter direitos é necessário, ao mesmo tempo, ser responsável pelo direito de todos os demais. Trata-se de uma relação compartilhada e como tal de corresponsabilidade.

 

Em face da crise de civilização, já existem iniciativas no sentido de contrapor às definições de um rol de direitos humanos (Declaração, Convenções e Tratados) um novo rol de responsabilidades humanas. Isto pode servir de referência e fundamento para a construção de um novo paradigma. O risco a evitar é encapsular uma tal construção nas contradições atuais, de relações profundamente desiguais. Para o status quo do poder da civilização capitalista e imperialista industrial existente, do privilégio dos mais ricos, desenvolvidos e fortes, será fácil definir responsabilidades e atribuí-las aos que exatamente tem direitos negados pelo próprio sistema.

 

Como imaginário e filosofia política para uma biocivilização voltada à inclusão de todos, sem distinção, e à sustentabilidade da vida e do planeta, a Carta de Responsabilidades Humanas deve ser construída em relação e em paralelo à reconstrução e ao aprofundamento de uma Carta de Direitos Humanos,como aqui definidos. Além do mais, de acordo com os princípios e fundamentos aqui desenvolvidos, será fundamental rever direitos humanos e responsabilidades humanas integrando aí a questão da justiça ecológica, do direito da integridade da biosfera e da capacidade de regeneração natural do planeta. Neste sentido os direitos e responsabilidades humanas são um pilar de novo paradigma. Vai no sentido aqui proposto a ideia da Carta dos Povos, já sendo democraticamente construída. A Carta dos Povos mobiliza e motiva muitos e diversos sujeitos coletivos em todas partes. Ela começa a ser uma expressão da diversidade de povos, vozes e culturas, territórios do que somos como humanidade. Transformá-la em Carta dos Povos para uma Biocivilização pode ser uma forma de conectar e potencializar forças da cidadania viva na gigantesca tarefa pela frente.

 

6 – Igualdade, Diversidade, Individualidade

Aqui estamos diante de princípios e valores que condensam em si mesmo construções culturais e conquistas políticas da humanidade. Isto não se deu ao mesmo tempo, nem abarcou todos os povos. Sua conquista é fruto de uma disputa. Trata-se de um processo histórico em que diferentes grupos e classes sociais, de diferentes gerações, se engajaram em lutas sociais emancipatórias tendo como referência um ou mais destes princípios e valores, marcando as estruturas sociais e definindo as condições de vida e ação para o futuro.

 

Hoje, é impossível pensar alternativas para a humanidade e dela na relação com o planeta sem pensar na contraditória articulação destes princípios e valores. Afinal, podemos não ser antropocêntricos na concepção e prática, mas depende de nós a mudança que está destruindo tanto a sustentabilidade da sociedade humana como a integridade do planeta. Perguntar-se sobre bases para a biocivilização é perguntar-se o que nós, humanos, estamos dispostos a rever e renunciar, dando lugar e prioridade à vida em sua totalidade.

 

A igualdade como princípio nos obriga hoje a pensar de forma mais holística, planetária, tanto do ponto de vista humano, intra e inter gerações, como do ponto de vista natural. Como garantir o direito à vida a todos os seres vivos sabendo que a competição entre seres vivos pela vida é condição da própria vida?

 

A diversidade como princípio e valor é uma afirmação relativamente recente. Tem a ver com identidade, ou seja, de ser igual e, ao mesmo tempo, ser diverso. Trouxe para o centro das lutas humanas as múltiplas formas de criação de identidades, culturas, opções, que não podem ser submetidas a formas aplastadoras de igualdade. Na verdade, a igualdade para ser justa deve respeitar a diversidade e a diversidade social e cultural não pode ser motivo para justificar a desigualdade. A diversidade, de um ponto de vista natural, é a lei da vida. É na diversidade que ela se realiza. Ou seja, a diversidade faz parte da ética social, da ética ambiental e da ética ecológica. Por isto mesmo, é um fundamento da biocivilização: igualdade na diversidade; diversidade como contraposição da homogenização, seja social como ecológica; diversidade como condição da vida sustentável e da integridade do planeta; diversidade como forma de realização da igualdade. Isto vale para enfrentar o machismo, os racismos, a homofobia e qualquer forma de descriminação.

 

Nunca é demais lembrar a importância da conquista e construção da individualidade como condição de emancipação na história humana. O social, a coletividade e a interdependência são elementos essenciais do viver humano. Porém, para que não sejam formas de dominação, é fundamental que sejam apropriados conscientemente, que as individualidades não desapareçam nelas e por causa delas. Viver é este transacionar entre desejos e opções individuais com desejos e opções de outros, reconhecendo e compartindo princípios e valores comuns, bens comuns, objetivos comuns. A independência individual nada mais é do que a afirmação ética e política do único que é a experiência de viver de cada um e cada uma como parte da coletividade. É bem diferente do conservador individualismo, que nega a dimensão de fazer parte e depender de um coletivo, e de em relação a ele construir a própria individualidade. Individualismo é a afirmação do self made men que fundamenta a civilização capitalista dominante, machista, homofóbica, racista, da lei dos mais forte, mais violento, mais esperto, mais competitivo. O individualismo é, no limite, a negação do social, dos princípios e valores que fundam o coletivo e a individualidade. Afinal, a individualidade só pode existir em base a princípios e valores comuns, que reconhecem o mesmo direito de individualidade a cada um e uma e a todos e todas, sem distinção. Individualidade é condição de emancipação social, de luta por justiça social, de construção de uma biocivilização. Individualismo é uma reafirmação da civilização produtivista e consumista dominante, da acumulação individual, que concentra riqueza e destrói a natureza.

 

Todas estas reflexões remetem à questão da cultura e à importância da diversidade cultural para a sustentabilidade da vida e do planeta. É através da cultura que se gestam individualidades, como ainda é a através da cultura que se afirma a comum humanidade e floresce a diversidade cultural, condição de existência da humanidade na interação entre seres humanos emancipados e deles com a natureza, substrato da vida, a usufruir, conservar, regenerar. Cultura vibrante é cultura diversa, não a homogeneidade imposta pela globalização aplastante atual. É pela cultura diversificada, que valoriza o potencial das gentes que a constituem, que é possível almejar a sustentabilidade da vida e do planeta. Esta é mais uma das dimensões fundantes da sociedade, da economia e do poder para a biocivilização.

 

7 – Democracia e Paz

Não é possível a biocivilização sem paz. Trata-se de uma condição fundamental levando em conta todos os princípios e pilares aqui apontados. O imperialismo, os arsenais, as guerras e a violência internalizada na cultura, nas estruturas sociais, no modo de organizar o poder e a economia são os sustentáculos da civilização industrial produtivista e consumista, que se alimenta de conquistas, da exploração, do servilismo da dívida, da desigualdade e exclusão social em escala global, do uso intenso de recursos naturais. Neste sentido, a paz não é só um objetivo para a biocivilização, ela é uma condição incontornável para a sustentabilidade onde todas as formas de vida tenham lugar.

 

Aqui entramos na questão sobre a estratégia para a biocivilização. Sem dúvida, o desmonte da dominação atual, de todas as suas formas, e a transformação de relações e culturas, de mentes e corações são obras de engenharia política que se definem no fazer, no processo mesmo, mas onde a busca ousada, generosa, motivada por grande sonhos e utopias, mobiliza e cria as forças de empuxe.

 

Não existe processo histórico sem forças em movimento, em disputa. A questão estratégia aqui é como fazer disputas de forma construtiva, renunciando à violência armada de qualquer tipo e apostando na paz. Afirmo em alto e bom tom algo que aglutina muitas visões, ideias e propostas no interior do Fórum Social Mundial: a estratégia é democratizar a democracia.

 

Foge ao escopo deste documento fazer um balanço – necessário, sem dúvida – de todo o debate sobre a democracia que temos, seus limites e possibilidades. Aqui cabe clarear o porque da opção pela democracia. A resposta dada acima pode ser uma tautologia mas exprime o que importa aqui afirmar como opção estratégica: a construção do caminho possível para a biocivilização passa pelos incertos e tortuosos descaminhos da democracia, através da radicalização e democratização da própria democracia.

 

Para clarear esta afirmação e a opção que ela embute, trago aqui elementos de uma reflexão estratégica acumulada em 30 anos cidadania ativa do própria Ibase (ver Grzybowski,C., Braga,V., e Motta,E. Indicadores de cidadania; uma proposta do Ibase em construção, 2011). Democratização é entendida como a “ … a equalização pela ação política das assimetrias e desigualdades existentes na sociedade. Aí reside o seu enorme potencial transformador. Trata-se de um método de ação política, de busca do possível na diferença e oposição, resultando num pacto histórico possível…”, de incertezas (p.4). A democracia é definida como um processo antes de ser um fim. Assim, “…os fins se buscam, se alcançam e são qualificados pelo método democrático, num processo de construção coletiva, de disputa permanente, de ganhos e perdas relativas e nunca definitivas.”(id.ibid.) Estamos diante de um caminho possível no momento dado de disputa. Por isto, os diferentes sujeitos coletivos, com sua capacidade de incidência, alianças e coalizações, se constituem em forças construtivas do possível, onde a luta legítima se submete aos princípios e regras democráticas. A institucionalidade revela o estado da democracia e sua legalidade, mas ela é disputada permanente por novas demandas legítimas de sujeitos coletivos, no seio da sociedade civil, que dão origem à revisão da legalidade existente e dando lugar a novos direitos e responsabilidades de uma nova legalidade, temporária a sua vez.

 

Tendo em vista a construção da biocivilização, importa aqui reconhecer que a democracia vai abrir caminhos e no processo transformar a sociedade atual – a sua estrutura e a sua cultura política, os seus princípios e valores, o modo de organizar o poder e a economia, a destrutiva relação com a biosfera – se sujeitos coletivos orientados pelo ideal de um novo paradigma civilizatório a tensionarem para tanto. Ou seja, a participação cidadã é a chave. “O berço da democracia é a ação direta, na praça e na rua [como os exemplos recentes no mundo árabe demonstram cabalmente]. Mas ela não se esgota aí. Democracia implica sempre em mais participação e se confunde com participação. A qualidade da participação define, em última análise, a qualidade da própria democracia.”(id.ibid.)

 

De uma perspectiva radical como dotamos no Ibase, a democracia é movida pelos princípios e valores éticos da liberdade, da igualdade, da diversidade, da solidariedade e da participação, todos juntos e ao mesmo tempo, como base do agir democrático, da cidadania ativa. Ação e fins se embasam na ética. Uma tal base de método pode transformar tudo o que se afirmou acima sobre fundamentos da biocivilização em utopia possível, onde se imaginam, se formulam e se age em vista de mudanças impossíveis que se quer tornar possíveis.

 

Na verdade, tanto a condição incontornável da paz como o método para democratizar a democracia são o fermento transformador do que hoje temos na direção da biocivilização. Os caminhos a construir se fazem no caminhar, não dá para definí-los a priori para todos os territórios do planeta, com sua diversidade natural e cultural, de povos em busca do viver bem. Conectados e reconhecendo a interdependência de todos a todos, podemos construir do local ao mundial, pelo método democrático e na paz, uma nova arquitetura do poder para a biocivilização.

 

Segunda Parte

 

Uma Possível Agenda de Transição

 

A construção de um novo paradigma não acontece de um dia para outro, mas é um longo e contraditório processo histórico coletivo, atravessando várias gerações. O sonho, a reflexão sobre a prática, a ousadia e genialidade de alguns, a aplicação e o suor de outros, a pesquisa e a sistematização, tudo alimenta o processo. Estamos diante de um processo imprevisível nos resultados, apesar de ser possível determinar o ponto de partida e traçar uma direção a seguir, direção que poderá mudar. Um processo assim será necessariamente permeado de conflitos, disputado, de idas e vindas, de avanços e retrocessos, de correção de estratégias e caminhos, enfim, de descobertas e fracassos, envolvendo grupos, comunidades, movimentos sociais e organizações de cidadania, forças políticas e instância de poder, organizações econômicas, culturais, religiosas, do local ao mundial. Um processo nada homogêneo apesar da interdependência a que chegamos como humanidade ao longo da constituição e desenvolvimento da civilização industrial capitalista, especialmente com a recente globalização. As múltiplas diversidades – de condições naturais, de formas de organização social e econômica, de gestão política e de culturas – vão necessariamente influir no processo e nos resultados.

 

Tudo isto é necessário, mas insuficiente. Sem vontade política e determinação aplicada na busca de um novo paradigma, o mais provável é prevalecer o menos ousado e nada transformador: adaptar-se ao dominante e mitigar o seu impacto, sem efetivamente mudar a sua lógica. É nesta direção que vai, por exemplo, a proposta mais avançada que brota de dentro do sistema capitalista industrial, o tal do new deal da economia verde. Trata-se de uma nova frente de negócios capitalistas, para continuar crescendo e acumulando, e não uma proposta de transformar a economia e o poder que a sustenta aos ditames do que aqui defino como biocivilização.

 

Esta segunda parte do caderno, à luz da discussão na primeira parte, procura levantar propostas do que precisamos fazer aqui e agora, desde já, dentro do sistema, explorando suas contradições e potencializando a emergência de novas possibilidades, lançando as sementes e cuidando da construção de um processo virtuoso de transformações democráticas, processo que busque a transição para a biocivilização. Temos que mudar práticas cotidianas de consumo e de vida, de trabalho e convivência, o modo de tratar e de cuidar do fundamental, isto a partir de nosso entorno, de nossa comunidade, nossa vila ou cidade.

 

Trata-se de um conjunto aberto de propostas, elas mesmas ainda não totalmente claras. Elas são propostas em construção e um convite a pensar, a se engajar, a agir, formulando novas propostas. Para facilitar, são pontos elencados tematicamente, por grandes frentes de ação coletiva. Se o caminho proposto aqui conseguir motivar os sujeitos coletivos diversos envolvidos nas lutas por sustentabilidade da vida e do planeta, certamente os pontos serão corrigidos ou ampliados e novos pontos serão propostos. Este é o objetivo mais imediato desta segunda parte, tendo presente um processo coletivo ao alcance da mão: tanto a preparação e a realização do Fórum Temático Justiça Ambiental e Social, em janeiro 2012, em Porto Alegre, como, depois, a incidência coletiva na Conferência Rio + 20, em junho de 2012.

 

[ Falta organizar intelegivelmente as propostas, a maior parte delas já de alguma forma conhecidas, mas ainda não articuladas numa estratégia de mudança].

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