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10 Dezembro 2011
A economia verde, a pobreza e a desigualdade mundial
Por Rasigan Maharajh
Também disponível em English
Documento de trabalho para o Ateliê Internacional Biocivilização para a Sustentabilidade da Vida e do Planeta organizado no Rio de Janeiro, do 9 ao 12 de agosto de 2011, tendo em vista a Conferência Rio+20.
Rasigan Maharajh é Diretor Chefe do Institute for Economic Research on Innovation (Instituto de Pesquisa Econômica em Inovação).
Introdução
Crises simultâneas estão impactando a humanidade nesta segunda década do século XXI. A origem destas crises pode ser identificada na expansão global das relações de produção capitalistas e nas contradições decorrentes de sua divisão internacional do trabalho. A comunidade internacional de países como conseqüência da crise capitalista tem sido levada a cenários políticos que buscaram o estímulo econômico, a austeridade fiscal e a sustentabilidade ambiental como resultados públicos. Não obstante as valentes respostas, como a aprovação pelo Equador e pela Bolívia de suas recém-promulgadas constituições, as quais concedem direitos de defesa à natureza, a ameaça de uma catástrofe ambiental iminente pelas alterações climáticas e pelo aquecimento global cresce no horizonte da mesma forma que a expansão simultânea das desigualdades do planeta.
As crises contemporâneas do capitalismo global são, entretanto, as mais agudas dos últimos 80 anos. Embora originários das mais sólidas economias capitalistas, a tríade dos EUA, Europa e Japão; seus títulos de crédito e derivativos tóxicos contaminaram o mundo inteiro. O conseqüente desastre econômico global é traduzido, simultaneamente, nas heróicas revoltas populares contra a reprodução de estruturas arcaicas de Estados autocráticos, ocupação imperialista e novas investidas contra sistemas de bem-estar social. Ao mesmo tempo, nosso planeta está no meio do período de sexta extinção em massa, o Antropoceno. Esta época geólogica recente conhece os devastadores resultados das atividades humanas de impacto nos ecossistemas do planeta e em sua biodiversidade. É nesta conjuntura contemporânea que se insere este artigo para o Grupo de Trabalho Internacional em Biocivilização para a Sustentabilidade da Vida e do Planeta.
Este documento está dividido em cinco partes. A primeira seção introduz a crise contemporânea do capitalismo global que a humanidade e o planeta enfrentam. Explorando o desenvolvimento humano até os dias atuais, esta seção ocupa-se tanto de explicar a trajetória das mudanças social, econômica e política, como também seus efeitos transformadores sobre a sociedade civil. A maior parte desta história trabalha com a cooperação da humanidade como espécie até o advento do capitalismo, fundamentalmente marcado pela dialética da luta de classes e pela competição entre as empresas.
A segunda seção discute o impacto planetário do capitalismo global. Defende-se especificamente que um capitalismo propenso à crise é incapaz de atender às necessidades básicas de alimentação, abrigo, saúde e educação de uma forma sustentável. O avanço do capitalismo contemporâneo global aumentou a marginalização da sociedade civil e, por isso, o sistema capitalista exige cada vez mais um estado organizado de violência e bem-estar para manter a ordem social e assegurar a continuidade da exploração e expropriação. A sociedade civil, em última análise, compreende os cidadãos do mundo e, como tal, reflete a estratificações e segmentações perpetradas e reproduzidas pelo capitalismo global. Respondendo a essa expansão caprichosa estão as vozes cada vez mais altas dos pobres em particular, da classe trabalhadora em geral e crescentemente de elementos da precária classe média. Protestos, organização e ação direta são alguns dos meios pelos quais os povos do planeta têm respondido ao capitalismo global.
A terceira parte descreve algumas das alternativas emergentes ao capitalismo global contemporâneo. Esta seção está particularmente voltada às propostas para uma “economia verde” e formas associadas de solidariedade e cooperação que mantêm as perspectivas de um futuro pós-capitalista. Embora a visão de um futuro pós-capitalista possa parecer prematura em face da hegemonia do modelo contemporâneo de globalização neoliberal, o destino do planeta exige que estas alternativas à destruição sejam consideradas. Esta parte, portanto, reconhece que a disseminação e o alcance dos problemas atuais do mundo exigem a adoção de uma perspectiva internacionalista guiada por princípios de inclusão e anti-sectarismo.
A quarta seção é dedicada ao estabelecimento das tarefas mais urgentes de construção de um futuro pós-capitalista. Argumenta-se que a construção da solidariedade e da cooperação só é possível por meio do engajamento significativo, a participação e o diálogo dentro, entre e pela sociedade civil. Salientando a necessidade de diálogo, esta seção também busca discutir os objetivos deste processo, os valores e princípios que devem guiá-lo e como o máximo de harmonia pode ser construído por meio deste envolvimento.
Finalmente, a quinta seção discute a necessidade de unidade e luta na busca de uma agenda de construção de um futuro pós-capitalista. Concentra-se em algumas áreas-chave para a construção da solidariedade global, a cooperação internacional e o desenvolvimento sustentável como centrais para permitir uma transição que vá de encontro à trajetória da acumulação de capital em direção a um paradigma justo, eqüitativo e sustentável de desenvolvimento para toda a humanidade e para o planeta.
Desenvolvimento Humano e Social: Um processo evolutivo marcado por transformações revolucionárias
O aumento espetacular da humanidade como espécie hegemônica no planeta foi alcançado por meio da adaptação evolutiva, cooperação intra-especial e competição inter-especial. A competição entre as pessoas na forma de rivalidade estabeleceu a base para a produção de conhecimento, a qual fez avançar o progresso do ser humano em detrimento de todos os outros. A apropriação indevida do princípio da sobrevivência do mais apto por parte do capitalismo concorrencial impõe agora graves perigos para toda a vida na Terra. O planeta abriga atualmente cerca de sete bilhões de pessoas organizadas nos limites geográficos de 203 unidades políticas. Destas, 193 são internacionalmente reconhecidas por outros países como Estados soberanos, na medida em que possuem uma população permanente, um território definido, um governo e a capacidade de entrar em relações com outros estados. Há ainda 10 territórios que, no entanto, carecem de legitimidade unânime concedida pelas Nações Unidas, incluindo a Palestina e o Saara Ocidental [República Democrática Sarauí]. As atuais características sociais, políticas e econômicas da humanidade são o resultado de milênios de desenvolvimento evolutivo pontuados por transições revolucionárias de transformação acelerada.
A espécie humana é atualmente hegemônica em relação à totalidade dos habitantes do planeta que inclui numerosos outros animais, vegetais e outros seres. Juntos, eles constituem sistemas ecológicos que permitem a evolução da vida como a conhecemos. A complexa interação durante longos períodos de tempo entre a matéria e a vida gerou intensas mudanças sistêmicas. Os cientistas sugerem que a História da Terra começou há menos de cinco bilhões de anos. Entre aquela época e cerca de dois bilhões de anos atrás, a estrutura do planeta, seu tamanho e as coordenadas cósmicas foram estabelecidas. O tempo entre as origens do planeta e cerca de 542 milhões de anos compõe quase 90% da sua história. Neste tempo, os oceanos, a atmosfera e os continentes se formaram. As bactérias também surgiram; os níveis de oxigênio aumentaram e organismos multicelulares começaram a evoluir. O gráfico a seguir descreve o longo prazo transcorrido até os dias de hoje.
Assim, enquanto a Terra se formou há cerca de 4,5 bilhões de anos, nossos ancestrais só apareceram nos registros fósseis da paleo-antropologia cerca de 7 milhões de anos atrás. O gênero Homo aparece apenas há cerca de 2,5 milhões de anos, tal como definido pelo aumento do tamanho do cérebro e a utilização de ferramentas como características distintivas de nosso passado comum. Esqueletos similares à nossa forma atual aparecem no registro fóssil aproximadamente há 190.000 a 150.000 anos e são reconhecidos como Homo sapiens sapiens. O ser humano faz parte da natureza, e, por mais que represente, de certa forma, um avanço evolutivo, é capaz de se comportar de maneiras que parecem estar separadas ou mesmo opostas aos seus próprios interesses. Os seres humanos são o produto da evolução biológica moldada por fatores geofísicos, assim como todas as outras espécies. Num sentido antropológico mais amplo, a cultura humana tem proporcionado para a espécie uma oportunidade de transcender as limitações de sua constituição biológica. Estima-se que a população total da espécie humana, em torno de 100.000 a.C., foi de apenas cerca de 20.000 indivíduos.
Há evidências também de que a data de propagação dos humanos modernos provenientes da África para outras regiões do mundo começou há cerca de 60 mil anos e continuou na forma de pequenos bandos até aproximadamente 12.000 anos atrás, quando o sul da América do Sul foi atingido. A mobilidade humana impactou todos os territórios habitados no período em que extensas camadas de gelo cobriram grande parte da América do Norte e da Eurásia há cerca de 20.000 anos. Nosso atual período interglacial, caracterizado por médias globais de temperatura mais quentes, é datado em cerca de 10.000 anos atrás e o final da última grande Idade do Gelo representou um importante marco na evolução da nossa espécie.
Devido a mudanças climáticas e uma rápida aceleração na taxa de inovação, a domesticação de plantas e animais pôde se espalhar rapidamente entre a espécie humana. Como foi defendido por Friedrich Engels (1876) e Vere Gordon Childe (1936) entre outros, a evolução humana não se limita mais à mera seleção natural, relacionando-se também à melhoria das capacidades de aprendizagem e de comunicação que permitem à humanidade gerar inovações tecnológicas e transmitir essas idéias por gerações. É de comum acordo que os seres humanos nos dias de hoje não podem simplesmente existir na natureza sem ferramentas, equipamentos e técnica.
A difusão da tecnologia permitiu o estabelecimento de populações mais sedentárias e mudou a vida social da subsistência para os excedentes e a acumulação. Acompanhando esta transformação material, desenvolveu-se a divisão social do trabalho com níveis crescentes de especialização e sofisticação. Estima-se que a diferenciação cultural pelo aparecimento do raciocínio abstrato remonta cerca de 9.600 a.C. e coincide tanto com a geração de excedentes como com preocupações sobre autoridade, ancestralidade e heranças. O surgimento de hierarquias sociais e o poder político foram forjados essencialmente pelo aproveitamento da violência como um mecanismo para legitimar a posse e a desapropriação. A procura de alimentos foi substituída pela agricultura e os avanços tecnológicos ao longo do tempo lançaram as bases para uma adaptação social, econômica e política.
Mais recentemente – e especialmente nos últimos milênios -, a evolução e a expansão da espécie humana representaram mudanças consideráveis ao meio-ambiente. Em sua busca pela hegemonia sobre o planeta, as classes socialmente dominantes e os grupos da sociedade têm causado estragos em sua busca obtusa por lucros, ignorando o bem-estar do planeta. Nas formas primitivas de produção, os seres humanos eram marcados pela ingenuidade e ignorância, mas agora, devido à rápida acumulação do conhecimento e sua disponibilidade universal, já não há qualquer justificativa para agir de maneira tão prejudicial.
Apesar de os avanços na ciência e na tecnologia resultarem da inventividade coletiva da humanidade, os benefícios são desigualmente distribuídos entre os seres humanos. Como um subsistema socialmente determinado, o conhecimento é também uma expressão das relações de poder na sociedade produzidas pela economia política. O efeito dessas relações é que a desigualdade global e local e os sistemas opressivos de manutenção da autoridade de poucos sobre uma maioria continuam a ser uma característica predominante de todos os sistemas políticos e sociais existentes até então.
Durante os três milênios anteriores, e de forma mais acelerada nas últimas cinco décadas, a degradação ambiental, as emissões atmosféricas e a poluição da água intensificaram-se e o planeta é testemunha atualmente da extinção em massa da biodiversidade, aquecimento global e mudanças climáticas. A incerteza exacerbada é o reconhecimento de que os padrões climáticos do mundo foram radicalmente alterados, tornando a mudança climática abrupta imprevisível embora inevitável. Esta situação é agravada pela continuidade da extração de recursos não-renováveis e a predominância de padrões de consumo insustentáveis. Juntos, esses fatores conspiram para a definição de nossa época atual como Antropoceno. Ainda que sua data precisa não seja muito clara, é consensual que ela se origina na Revolução Industrial do final do século XVIII e com o estabelecimento do atual modo capitalista de produção.
Grande parte da evolução da sociedade não se deu de modo linear. Pelo contrário, esta é o resultado coletivo de diversas mudanças, incluindo um longo período de gestação como proto-humanos, caçadores, agricultores primitivos e depois desenvolvidos, industriais até a atual fase que se caracteriza como a sociedade tecnológica. A concepção materialista da história sugeriu uma seqüência de transições sucessivas através do Paleolítico, Neolítico, estágios urbano e industrial de um desenvolvimento cultural e histórico pontuado por, pelo menos, três revoluções.
A Revolução Neolítica transformou as culturas caçadoras-coletoras em grupos agrícolas sedentários. A revolução urbana transformou a agricultura do Neolítico, caracterizada em geral pelas pequenas aldeias agrícolas de base familiar sem o conhecimento da escrita, em complexos sistemas hierárquicos de manufatura e comércio. Isso ajudou a estabelecer assentamentos humanos que se tornaram as grandes e socialmente complexas sociedades urbanas. A Revolução Industrial expandiu maciçamente as capacidades produtivas, o aumento da produção de mercadorias e a expansão do comércio em escala internacional. Todas estas três revoluções estavam enraizadas na base material das sociedades que tais processos acabariam por transformar. Em todos os casos, os novos regimes surgiram a partir do desenvolvimento das forças de produção relacionadas aos recursos físicos e tecnológicos.
O surgimento do capitalismo tem como premissa a separação entre trabalho e capital. É um desenvolvimento recente na linha do tempo, embora longo da evolução humana. Sua implantação e expansão em relações globais revolucionou a vida humana neste planeta. Marx (1845) reconheceu o aparecimento da sociedade civil no século XVIII, quando a propriedade e outras relações sociais libertaram-se da sociedade medieval feudal. A sociedade civil como tal pôde-se desenvolver somente com a ascensão do capitalismo. Coaduna, portanto, com as formas de organização social em desenvolvimento num sistema capitalista de produção, distribuição e troca. Esta categoria social emergente deu origem, além disso, ao sistema ideológico e à multiplicidade de superestruturas e formas que caracterizam o capitalismo nos dias atuais. Sociedade civil é um termo utilizado, por vezes, para se referir ao surgimento de uma pequeno-burguesia independente do Estado, às vezes como menção ao fortalecimento do “Estado de Direito” e também como desenvolvimento da associação voluntária, independentemente de transações comerciais. Em suma, a sociedade civil pode ser caracterizada pela existência de trabalho “livre” e mercado, um sistema de aplicação da lei e associações voluntárias sob o capitalismo.
As exigências para a reprodução do capitalismo agora moldam e influenciam a direção do desenvolvimento humano. De acordo com Immanuel Wallenstein (2011), o objetivo subjacente da condução capitalista neste sistema econômico é a acumulação infinita de capital, onde e como tal acúmulo puder ser alcançado. Uma vez que tal acumulação exige a apropriação de mais-valia, esta direção intensifica a luta de classes.
O primeiro estágio do capitalismo industrial é muitas vezes caricaturado como um período de concorrência (laissez-faire) liberal. O estabelecimento do modo de produção capitalista deu-se pela separação brutal das pessoas de suas propriedades. As relações de produção que se seguiram entre os donos do capital e aqueles que contavam apenas com o seu trabalho para vender amadureceu durante um longo período até o final do século XIX. Para a produção capitalista, tanto os meios de produção quanto o trabalho assalariado tiveram que ser inicialmente adquiridos. De acordo com Karl Marx (1867), o modo de produção capitalista era essencialmente o processo de produção de mercadorias cuja única finalidade era a acumulação de mais-valia. A base do capitalismo pode ser descrita como um processo de exploração da força de trabalho com o objetivo de acumular mais-valia para a reprodução continuada do capital.
David Harvey (1982) reconheceu que no circuito do capital descrito acima, os fornecedores dos meios de produção e do trabalho acabariam também sendo os potenciais clientes do produto. Com o seu valor combinado excedendo-se, os fundos adicionais precisavam ser criados. Como um sistema fechado, a mesma empresa teria necessidade de gerar valor adicional que poderia então somente ser realizado no futuro. É contra essa diferença entre o valor integral do produto de hoje e os valores das mercadorias que ainda estão para ser produzidas que o sistema de crédito foi estabelecido e o “capital fictício” foi criado. A última categoria representava dinheiro em circulação como capital, sem qualquer base material em mercadorias ou atividade produtiva. É sobre esta base que o sistema bancário expandiu e, eventualmente, viria a ocupar um papel tão importante na sociedade contemporânea.
Estudiosos como Hilferding descreveram a transformação do capitalismo liberal, competitivo e pluralista, em “capital financeiro” monopolista em 1910. A unificação dos interesses industriais, mercantis e os bancários desativaram as exigências anteriores do capitalismo liberal para a redução do papel econômico do estado mercantilista e do capital financeiro no sentido de um Estado centralizado e de distribuição de privilégios. De acordo com Hilferding, isso mudou as exigências do capital e da burguesia de suas solicitações constitucionais iniciais que atingiam todos os cidadãos para atualmente buscar, sob a direção de um setor financeiro fortalecido, a intervenção estatal em nome das classes proprietárias de riqueza: os capitalistas, em vez da nobreza dos modos feudais e anteriores de produção.
Esta segunda fase do modo de produção capitalista vem sendo identificada como o período do capitalismo monopolista, com Lenin definindo o período como a fase superior do capitalismo: o imperialismo, em 1916. Esta fase criou raízes desde o início do século XX e estendeu assim até o início dos anos 1970. Ainda que a idéia básica desta fase tenha sido a expansão das relações capitalistas de produção em todo o mundo, o período também testemunhou o desencadeamento de várias estratégias, incluindo a integração entre bancos e indústria, a exportação de capitais, a exacerbação dos conflitos inter-imperialistas, um ciclo de capital fixo com vida reduzida, acelerada inovação tecnológica, economia militar permanente, crescimento de empresas multinacionais e a expansão do crédito com um resultante endividamento global.
De acordo com a avaliação feita por John Bellamy Foster, Brett Clark e Richard York (2010), a fonte de nossa crise ecológica está no paradoxo da riqueza na sociedade capitalista, na qual as riquezas individuais crescem em detrimento da riqueza pública, incluindo a riqueza natural. No processo, uma enorme fenda ecológica é estabelecida entre os seres humanos e a natureza, minando as condições da existência sustentável: uma fenda na relação metabólica entre a humanidade e a natureza, irreparável no seio da sociedade capitalista, uma vez que parte integrante de suas próprias leis de movimento. Deverão ocorrer mudanças fundamentais nas relações sociais para que os problemas ecológicos e sociais que o planeta atualmente tem enfrentado sejam transcendidos. Sua análise aponta a importância de ir além do atual regime do capital que pode ser caracterizado como a forma do neo-liberalismo, e da necessidade de avançar rumo a uma sociedade de desenvolvimento humano sustentável.
Para avançar no caminho sugerido é, contudo, necessário um aprofundamento de nossa compreensão da atual fase do capitalismo global. O neoliberalismo representa um processo histórico que tem sistematicamente procurado desmantelar muitas das estruturas que limitam e regulam o funcionamento do mercado, tanto no que diz respeito às relações entre capital e trabalho como no tocante às relações entre as diferentes empresas capitalistas. O neoliberalismo é o paradigma atual hegemônico do império e o sistema ideológico do século XXI. É composto por pelo menos seis características principais. Em primeiro lugar, a libertação das empresas de todos os limites regulatórios previamente estabelecidos por governos agindo para a construção de um estado de total liberdade de circulação de capital, bens e serviços. Em segundo lugar, o investimento público em serviços sociais, incluindo saúde, educação e bem-estar tem sido significativamente reduzido. O enquadramento ideológico do bem-estar como um fardo sobre os mecanismos fiscais públicos tem sido utilizado para justificar uma abordagem que viole os contratos liberal-sociais de Thomas Hobbes (1651) e John Locke (1689), entre outros.
Em terceiro lugar, o neoliberalismo tem procurado reduzir os salários e a rede de segurança social dos pobres. Ele implementou novas reduções nos gastos fiscais e incluiu o desinvestimento na manutenção de infra-estruturas, tais como moradia, água, transportes e outros benefícios, enquanto aumentou o subsídio para a iniciativa privada por meio de créditos fiscais, transferências diretas e outros meios que privilegiam as classes dominantes . Em quarto lugar, outro aspecto fundamental do neoliberalismo tem sido seu foco na desregulamentação extensa, incluindo o desmantelamento de disposições para proteção ambiental e investimentos em saúde e segurança social.
A quinta característica definidora do neoliberalismo é a venda de empresas estatais, bens e serviços a investidores privados. Esta forma de privatização geralmente inclui instituições de desenvolvimento financeiro, indústrias de bens de capital, ferrovias, pedágios e rodovias, energia elétrica, escolas, hospitais e até mesmo água doce. A privatização busca atingir os objetivos de aumento da eficiência e máxima otimização de recursos. Os resultados globais, contudo, indicam um aumento da concentração de riqueza em poucas mãos e aumento de custos para quem utiliza os serviços públicos. Em alguns casos, a privatização é perseguida como uma política explícita por meio da corporatização de entidades públicas, que fornecem a cobertura para um comportamento de setor privado por trás da fachada de autoridade do setor público.
A sexta principal característica do neoliberalismo é uma somatória por meio da qual o próprio conceito de “bens públicos” e até mesmo a noção de comunidade estão sendo substituídos pela responsabilidade individual. Isso tem o efeito de transferir a culpa para as vítimas enquanto se intensifica a alienação dos pobres. A elite que se beneficia do neoliberalismo cada vez mais se aglomera em torno de valores cosmopolitas compartilhados e, além de se desvincular, opõe-se às lutas reais dos marginalizados nos vários territórios subdesenvolvidos.
A consequência final da economia política do capitalismo global, sua ideologia neoliberal e a fusão de múltiplas crises desencadeadas, é o grande aumento da desigualdade em todo o mundo e nas unidades políticas nacionais. Este efeito bruto correlaciona o aumento das desigualdades intra-nacionais e internacionais. Inquietação, insatisfação e insegurança estão aumentando ao lado do desenvolvimento do terrorismo de Estado num momento em que a violência organizada tornou-se o único mecanismo disponível para manter o status quo e garantir a sua reprodução.
O mundo contemporâneo é em grande parte moldado pelo capitalismo global, particularmente nas condições do imperialismo corporativo aplicado pelo império e conhecido como neoliberalismo. A degradação ambiental é agravada pela intensificação da exploração e opressão por meio do desemprego em massa no setor formal, contratos de trabalho de curto prazo, “precarização”, trabalhos cada vez mais sem sentido e enfadonhos pontuados por períodos de desemprego e de curto tempo de trabalho, reduzindo os salários reais, e uma acelerada diminuição do salário social e da alienação por atacado trazendo crescentes problemas de saúde mental e crimes anti-sociais.
O capitalismo criou as condições atuais de superprodução e subconsumo por meio de sua incansável e, basicamente, busca auto-destrutiva pelo lucro. As melhorias nas condições materiais de vida da humanidade resultaram da extensão da oferta de infra-estruturas diversas, incluindo o abastecimento de água, habitação, eletricidade, redes de transportes e uma vasta gama de produtos essenciais e atividades culturais. Isto, contudo, não está universalizado e torna-se cada vez mais dependente de ligações internacionais em cadeias globais de produção para a sua prestação e manutenção. Os custos referentes a estas infra-estruturas estão novamente a ser desproporcionalmente carregados pela classe trabalhadora e os que estão às margens das camadas médias.
Embora grandes reformas, tais como cortes consideráveis na indústria de armamentos, disposição de um transporte público gratuito e decadência do transporte privado, redução da dependência de combustíveis fósseis e o fim da divulgação pela indústria da publicidade e pela mídia de filosofias consumistas voltadas ao desperdício e à produção monumental de mercadorias supérfluas, sejam muitas vezes apontados como rumos para a salvação global, elas permanecem inatingíveis sob as relações capitalistas de produção.
Os impactos planetários do capitalismo global
A idéia de que o planeta Terra é um sistema natural complexo com múltiplos laços de realimentação tem sido bem estabelecido na literatura. James Lovelock (1979) explicitamente argumentou que todos os organismos biológicos e seus entornos inorgânicos no planeta estão intimamente integrados na estruturação de um sistema complexo e auto-regulado, mantendo as condições necessárias para a vida. Este conceito popularizou-se como “Hipótese Gaia”. Quando quaisquer peças desse sistema ficam danificadas ou alteradas, afirma-se, as outras respondem numa tentativa de reparar ou compensar o dano, a fim de restaurar o equilíbrio essencial. Apesar de a espécie humana ter de fato acumulado competências consideráveis por meio da investigação, ciência e tecnologia, nosso conhecimento coletivo mundial permanece incerto e incompleto. A humanidade ainda carece de uma grande teoria unificada que capte a totalidade da complexa base estrutural sistêmica da vida na Terra e na cosmologia de forma mais ampla.
Como decorrência de tal reconhecimento humilde, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, realizada no Rio de Janeiro e também conhecida como Cúpula da Terra, forjou seu artigo 15 como um princípio da precaução. Enquanto a humanidade tem o poder desmedido de alterar significativamente nossas realidades planetárias, esse potencial permanece constrangido pelos limites de seu conhecimento e capacidades tecnológicas e competências. Tais precariedades contrastam fortemente com a crescente brutalidade por meio da qual as máquinas repressivas de Estado das elites nacionalistas impõem a sua agenda de auto-determinação na busca de estreitamento das estratégias de curto prazo de acumulação à custa da sustentabilidade global e nas relações de compra com o capitalismo global.
O planeta enfrenta atualmente diversos pontos de inflexão que acabarão por sinalizar o fracasso de alguns ecossistemas do mundo, com conseqüências ameaçadoras à vida de todos. De acordo com numerosos estudos interdisciplinares de sistemas físicos e biológicos realizados por uma equipe internacional de cientistas, nove processos ambientais foram entendidos como podendo perturbar a capacidade do planeta de sustentar a vida humana (Stockholm Resilience Centre, 2009). Estes incluem: camada de ozônio estratosférico; biodiversidade; dispersão química; mudanças climáticas; a acidificação dos oceanos, o consumo de água doce e o ciclo hidrológico global, a mudança do sistema terrestre; insumos de nitrogênio e fósforo para a biosfera e oceanos; e carga de aerossóis na atmosfera.
As fronteiras desses processos reconhecem os limites dentro dos quais a humanidade pode operar com segurança e são indicados pela zona verde na figura 2. Sete destes processos têm limites claros estabelecidos pela ciência no respeito do princípio da incerteza. Três desses limites – mudanças climáticas, a acidificação dos oceanos e o esgotamento do ozônio estratosférico – representam pontos de inflexão, e os outros quatro significam o início de uma degradação irreversível. Os dois processos restantes, compreendendo a poluição atmosférica por aerossóis e da poluição química global, não têm limites determinados devido ao seu período recente e falta de grandes conjuntos de dados.
As mudanças climáticas em curso e alterações climáticas potencialmente irreversíveis implicam a perda de terras produtivas, condições meteorológicas extremas, elevação do nível das águas do mar, deslocamento maciço de pessoas, a desertificação e a revolução econômica e social grave. A escassez de outros recursos como a água doce, florestas, terras agrícolas e biodiversidade estão sendo severamente intensificados. O esgotamento das reservas de petróleo e gás impacta diretamente na vida de bilhões de pessoas no mundo e na frágil biosfera. O paradigma de produção atual permanece encadeado na dependência de combustíveis fósseis, que incluem transporte de longa distância, sistemas de produção fabril, bem como muitos outros sistemas e bens. Este sistema vai se tornar cada vez mais difícil e constitui um importante espaço de conflito em face ao reconhecimento de que o planeta constitui um sistema finito em si mesmo. As riquezas minerais do planeta desenvolveram-se ao longo de bilhões de anos, embora sua taxa de extração tenha sido acelerada com o avanço da ciência e da tecnologia. O efeito líquido é que os estoques de recursos naturais do planeta estão se esgotando mais rápido do que a natureza pode repô-los e sem a preocupação intergeracional.
O consenso científico é de que o aquecimento global é em grande parte o resultado do aumento das concentrações atmosféricas de dióxido de carbono e da emissão de outros gases de efeito estufa. O crescimento das emissões é causado por atividades humanas, principalmente a queima de combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra, como a agricultura e o desmatamento. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas projeta um aumento futuro da média térmica da superfície global na faixa de 1,1 ° C a 6,4 ° C até 2100. Esse aquecimento, junto com as mudanças associadas à precipitação, secas, ondas de calor e elevação do nível do mar terá consequências importantes para os ecossistemas do planeta, da economia política global, da governança e relações sociais.
De acordo com a Iniciativa Financeira do PNUA (2011c), o custo anual ambiental da atividade humana global estimada em 2008 foi de US$6,6 trilhões ou o equivalente a 11% do PIB global. Eles também calcularam que o custo dos danos ambientais causados pelas 3.000 maiores empresas de capital aberto do mundo em 2008 foi de aproximadamente US$2,15 trilhões. Com base nestes fatos surpreendentes, estima-se que mais da metade dos ganhos das empresas poderia ser creditado aos custos ambientais que geram em sua atividade de acordo com o MSCI World Index All Country.
Bill McKibben defendeu que quanto mais dióxido de carbono e outros gases despejados na atmosfera, mais o clima do planeta se modifica e mais se danificam outros bens ecológicos vitais, inclusive oceanos, florestas e geleiras são afetados. Como estes são todos os elementos da composição integral do planeta, os danos infligidos sobre eles desencadearão mecanismos de reação defensiva, como o aumento da temperatura, mudança nos padrões de chuvas e aumento do nível do mar, entre outras reações (2010). Foi razoavelmente estabelecido que a atmosfera que rodeia a Terra tem uma capacidade de absorção de cerca de 5 bilhões de toneladas ou gigatoneladas (Gt) de dióxido de carbono (CO2). Partindo desse pressuposto, sugere-se que o desenvolvimento global precisa ser constrangido para o controle de emissões e com base em aproximações modelares da realidade.
Num estudo recente, Campanale e Legget argumentam que, em 2011, o mundo tem usado mais de um terço de sua quota de carbono de 50 anos de 886Gt de CO2, deixando 565Gt de CO2 (2011). Sua pesquisa também calcula que as reservas provadas de propriedade de empresas privadas e públicas e de governos são equivalentes a 2.795 Gt de CO2. As reservas de combustíveis fósseis de propriedade das cem primeiras empresas de carvão, petróleo e gás representam emissões totais de 745Gt de CO2. Isto implica, portanto, que apenas 20% das reservas totais podem ser usadas incessantemente, deixando até 80% dos ativos tecnicamente inutilizáveis. Estas descobertas empíricas confirmam a necessidade de transformação radical da mesma forma que as afirmações do ativista Bill McKibben quem defendia que as emissões totais de carbono de todas as formas de uso de energia já haviam atingido 21.2Gt em 1990 (2010). McKibben estipulou que as emissões subiriam ameaçadoramente para 42.4Gt até 2035, o que representaria um aumento de 100% em menos de meio século (op cite).
Em suma, enquanto a humanidade ainda está iniciando o processo de compreensão dos limites de capacidade de carga da Terra, a nossa espécie continua a se expandir tanto em termos de população, como em necessidades de desenvolvimento. O sistema do capitalismo global envolveu todo o planeta e é marcado por um padrão distintivo de desenvolvimento desigual e combinado. As desigualdades, marginalização e exclusão resultantes requerem uma reavaliação fundamental de alguns dos aspectos definidores da vida que caracterizam os nossos paradigmas sociais, econômicos e políticos à margem da catástrofe ecológica que geramos. A conversão dos padrões de vida global entre os mais desenvolvidos e as partes em rápido desenvolvimento no mundo [OCDE & BRICS/G20] tensionarão ainda mais os limites planetários, enquanto a grande maioria dos países permanece fora do reino de benefícios. Mudanças de época são necessárias embora tal agitação ainda possa ser entendida como uma exigência do impossível. Uma progressiva “economia verde” pode, contudo, realizar um percurso migratório num sentido diferente da trajetória de acumulação do capitalismo global.
Imaginando Utopias: a economia verde e os futuros pós-capitalistas
A resposta global à mudança climática chegou a um momento crítico. Desde a assinatura, em 1992, da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática no Rio de Janeiro, os países do mundo tentam abordar o tema por meio de grandes elaborações multilaterais de tratados. Estes esforços têm gerado resultados completamente decepcionantes. Com a evidência do ritmo acelerado das alterações climáticas e o fato de o processo de elaboração de tratados ainda engatinhar, muitos agora estão céticos quanto à possibilidade de uma resposta global eficaz. Com a aproximação do vigésimo aniversário da Cúpula da Terra em 2012, as limitações do multilateralismo sob os grilhões do capitalismo global estão se tornando mais evidentes.
Como uma via alternativa para o consenso global sobre o ecossistema mundial, a Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra estava sediada em Cochabamba no ano de 2009. A declaração da reunião esboçou uma lista detalhada de dez princípios para o reconhecimento dos “Direitos da Mãe Terra” enquadrado num contexto de compreensão de que toda a vida, incluindo as vidas humanas, existe numa relação dialética e simbiótica com o planeta. Estas injuções de afirmação de direitos colocam-se como um forte contraste às negociações multilaterais em curso enquadradas nas Nações Unidas, incluindo a Conferência das Partes para o estabelecimento de uma Convenção vinculativa sobre Mudança Climática (UNFCCC).
A UNFCCC falhou em sua encarnação em Copenhage em 2009, não foram apresentadas quaisquer soluções finais em Cancun em 2010 e todas as evidências sugerem um desempenho pífio equivalente em sua 17 ª Conferência agendada para Durban em 2011. Assim, os princípios éticos e morais estabelecidos em Cochabamba deram espaço a um contexto no qual podemos agora explorar o conceito de uma “economia verde” e, especificamente, discutir propostas de investigação, desenvolvimento, ciência, tecnologia e inovação de apoio a produção, distribuição, consumo e gestão de resíduos. Somente com base em tal reconceitualização que o desenvolvimento social, econômico e político sustentável vai se tornar possível.
Múltiplas expressões atualmente co-existem e sugerem um caminho alternativo de desenvolvimento para o planeta. Estas incluem, entre outros, o crescimento verde, o estímulo verde, tecnologias verdes, setores verdes, negócios verdes e empregos verdes. A idéia de uma “economia verde” geralmente enfatiza a sustentabilidade ambiental e proteção na busca do desenvolvimento sustentável. Martin Khor argumentou recentemente que a “economia verde” é “um conceito extremamente complexo e é improvável que possa haver um consenso sobre seu significado, uso eutilidade e implicações políticas em curto prazo” (2011). Ele reconhece, no entanto, que uma “economia verde” dá a impressão de uma economia que é ambientalmente amigável, sensível à necessidade de conservar os recursos naturais, minimizar a poluição e as emissões que prejudicam o meio ambiente no processo de produção, e produz produtos e serviços cuja existência e o consumo não prejudicam o meio ambiente “(op cite).
O PNUMA propôs que uma “economia verde” geraria uma melhoria no bem-estar humano e equidade social, reduzindo significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica (2010). Eles, portanto, definem a “economia verde” como sendo caracterizada por ser de pouca emissão de carbono, eficiência na utilização de recursos e socialmente inclusiva (op cite). Numa nota prática, o PNUMA sustenta que a ‘economia verde’ também implica que “o crescimento da renda e do emprego é impulsionado por investimentos públicos e privados que reduzem as emissões de carbono e poluição, melhoram a eficiência energética e de recursos e evitam a perda de biodiversidade e serviços do ecossistema “(ibid). Estes investimentos devem ser catalisados e apoiados por despesas públicas direcionadas, reformas políticas e mudanças na regulamentação. Este caminho de desenvolvimento deve manter, melhorar e, se necessário, reconstruir o capital natural como um ativo econômico crítico e fonte de benefícios públicos, especialmente para pessoas pobres, cuja subsistência e a segurança dependem fortemente da natureza.
A progressiva “economia verde” deve ser construída sobre os alicerces de um capitalismo global decadente e propenso a crises. Isso irá, necessariamente, envolver a coordenação e o cálculo mundiais, mas não deve reproduzir as falhas de um planejamento centralizado e baseado no comando. Igualdade e reparação também devem acompanhar a liberação das empresas e das famílias da perseguição de “lucros” de curto prazo em detrimento da sustentabilidade de médio e longo prazo.
Mais uma questão polêmica que demanda maior discussão é a noção de que liberar um tempo para o lazer aumentaria a preguiça e o voluntarismo. A construção da cooperação e solidariedade internacionais exige uma relação maior entre os povos do planeta, o meio-ambiente e os sistemas de produção, distribuição, consumo e gestão de resíduos. As primeiras críticas da economia política do momento do estabelecimento do capitalismo industrial até a atual conjuntura não resolveram o salário-escravidão e as lutas de classes que levaram à intensificação da acumulação. A “economia verde” exige “empregos verdes” em “empresas verdes” sob regimes participativos e democráticos de governança. O resgate do capitalismo global pode não garantir estas perspectivas de desenvolvimento fora das estreitezas das contradições fundamentais. A redução da “jornada de trabalho” em tempo absoluto e um reengajamento político e social lança os fundamentos para a construção de uma ‘economia verde’ fora dos parâmetros enquadrados no capitalismo global.
De acordo com Rajesh Tandon, “os avanços tecnológicos dos últimos dois ou três séculos criaram um sentido de instrumentalidade no seio dos treinados cientificamente entre nós; esta racionalidade instrumental conduz nossos esforços perpétuos em controlar, manipular e redesenhar o nosso ambiente natural para atender às necessidades humanas e ambições” (2011). Tandon defende um reconhecimento fundamental de que “a tecnologia precisa servir como um bem público maior para a humanidade, e não apenas para o avanço da produção e do consumo” (op cite). Tandon propõe o desafio de sustentar o espírito humano no coração da sustentabilidade da humanidade e do planeta Terra e, portanto, adverte que isso só pode ser alcançado se as considerações morais e éticas sustentarem o desenho futuro da economia e da comunidade (ibid).
Conclusões: Uma Nova Economia exige Novos Economistas: Uma Agenda pelo Pluralismo e por uma Política Econômica Heterodoxa
‘O mundo velho está morrendo, e um novo mundo luta para nascer: agora é um tempo de monstros’ – Atribuído a Antonio Gramsci
Ainda que precisar as determinações concretas do equilíbrio das forças de oposição em qualquer momento histórico seja geralmente difícil e algo propenso à contestação, as condições objetivas específicas que sustentam a fase atual do capitalismo global requerem a emergência de respostas subjetivas, que busquem construir soluções globais e uma cooperação e solidariedade internacionais. Assim, enquanto a criação de uma nova comunidade global unida e planejada parece a resposta lógica para a sobrevivência em face à crescente degradação ambiental, a maioria dos avanços partem da premissa da complacência local diante das iminentes catástrofes do ecossistema. Organizações progressistas envolvidas na luta por justiça social e indivíduos envolvidos nessas lutas têm o papel de unir as organizações independentes em torno de uma visão clara de uma futura comunidade global, a qual pode-se desenvolver fora das condições e das lutas de hoje.
Esta nova tarefa é compatível com a transição do feudalismo para o capitalismo e, portanto, depende de forças motivadoras confrontando as contrações do mal-estar atual. Esta seção conclusiva sugere alguns dos caminhos que precisam ser mais bem explorados. Isso acabará por ser o resultado da práxis por meio da qual a humanidade se eleva acima das limitações de um modo cada vez mais anacrônico de produção. A reafirmação do desenvolvimento global como pré-requisito das estratégias nacionais pode ser de difícil realização em condições de desenvolvimento desigual e combinado. No entanto, a vida exige-o para não ceder à reprodução da cobiça que caracterizou o último milênio de rápida expansão econômica desigual que se percebeu sob o capitalismo global. Que “economia verde” precisamos a fim de derrotar a pobreza e a injusta distribuição da riqueza mundial?
O mundo do século XXI é o resultado da evolução social, econômica e política e de transições por vezes aceleradas por transformações revolucionárias. O poder de mudança rápida e profunda, no entanto, ficou para trás de mais ajustes incrementais que caracterizam grande parte do capitalismo global contemporâneo. Muitos argumentam que o mundo nem sequer se inscreve num único capitalismo hegemônico, mas sim nas variações que co-existem sob o modo de produção geral. Isso explicaria como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS) utilizam abordagens e modelos de expansão econômica distintos, enquanto não seguem os princípios ou prescrições das instituições multilaterais ou da OCDE.
Uma abordagem que reconhece as variações que constituem o capitalismo global também torna a visão da “economia verde” possível. Esta perspectiva reconhece que os séculos de desenvolvimento desigual e combinado acumulado formaram, de fato, uma comunidade massiva desigual e diferenciada de unidades políticas. A globalização acelerou a integração dos mercados e das finanças. Ela ignorou os efeitos contraditórios sobre a mobilidade humana e a coesão social. Para uma “economia verde” transcender os limites atuais da época presente, será necessário aumentar os esforços para reforçar a cooperação e a solidariedade internacionais. Esforços intra-nacionais e regionais de integração também devem ser estimulados e incentivados. Mudando o escopo de atenção das atuais 194 unidades políticas (países) para biomas e regiões ecológicas também oferece-se à humanidade e ao planeta um cenário mais bem planejado.
Na verdade, vai-se exigir que a tirania da concorrência capitalista sobre o valor arbitrário das mercadorias seja contida por um pacto global que é socialmente legítimo e politicamente fortalecido. Tal abordagem terá de ser tendenciosa a favor de aspectos utilitários e de contingências ambientais. Tal abordagem também seria capaz de transferir os excedentes para as tarefas de extrema importância de modo a melhorar a base de conhecimentos da humanidade e do planeta. A construção de um conhecimento global comum pode revelar-se uma “vitória rápida”, já que as pessoas e instituições neste setor são também aquelas que estão na base do encontro com a catástrofe iminente do Antropoceno.
O PNUMA acredita que uma “economia verde” seria o resultado de dois fatores principais. A sua análise aponta para a necessidade de aumento dos investimentos na sustentabilidade dos serviços dos ecossistemas em que muitos dos pobres do mundo dependem, e, assim, garantir que o ambiente possa continuar a ser utilizado para benefício das gerações atuais e futuras. Eles também argumentam que as estratégias para o crescimento econômico no uso sustentável dos recursos naturais e no meio ambiente devam gerar empregos a longo prazo e a riqueza como um meio para a erradicação da pobreza (2011). Esses sentimentos são realmente louváveis e devem ser apoiados. A ressalva baseada nas evidências em formulação de políticas deve, contudo, ser lembrada. Ao levantar esta preocupação, devemos reconhecer que as abordagens pontuais adotadas no pós-Segunda Guerra Mundial tenderam todas a expandir em vez de corrigir as desigualdades, agravar a pobreza e a itensificar a marginalização. Os logros dos últimos 60 anos têm sido largamente o resultado de lutas contínuas que culminaram com o modelo nórdico de bem-estar produzindo resultados melhores do que outras variantes do capitalismo.
Isto poderia sugerir que assegurar a participação ativa do trabalho organizado e dos negócios no processo de política e estratégia é fundamental para a construção de uma “economia verde” progressiva. Os acordos consensuais resultantes também garantiriam que algum processo de arbitragem fosse celebrado para moderar os excessos de remuneração atuais na setor financeiro (sic: fictício) da economia, ao lado do refreamento dos excessos de pacotes salariais executivos. A medição o desempenho dos administradores de empresas deve ser construída sobre a multiplicidade de “lucros finais” já discutidos como os resultados da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável e a Declaração de Joanesburgo.
A internacionalização da pesquisa e do desenvolvimento vão ajudar a construir capacidades pelos territórios do mundo. Excelentes exemplos de tais esforços já estão sendo realizados por cientistas e engenheiros sem fronteiras. Tais colaborações progressivas também avançam nas possibilidades de desenvolver um regime de planejamento global, com autoridade e legitimidade para controlar a proliferação de atividades ambientalmente prejudiciais enquanto incentivam mudanças positivas. Infelizmente, nenhum destes resultados progressivos são plausíveis num campo acadêmico / domínio subjugado à ortodoxia fundamental da economia neo-clássica, dominada pela fração financeira / fictícia e reforçada pelo poder militar de ideologias neoliberais. Para nos permitir sobreviver, prosperar e construir a progressiva “economia verde” temos de incentivar o pluralismo e assegurar que os heterodoxos ocupem um espaço central na reformulação acadêmica. Moldar a teoria dos fatos deve conduzir a um novo inquérito e contribuir para um renascimento da disciplina da economia política. O próprio futuro do planeta, bactérias, protozoários, chromista, plantae, fungos e animalia precisam de nós para fazer a transição. Para a ‘economia verde’ crescer e transcender a avareza do capitalismo global, precisamos de uma nova política economia evolucionária para orientar a transformação revolucionária.
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